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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

208 - O Couto de Dornelas e a Festa de S. Sebastião

O meu amigo e ex-camarada desde os tempos de Vendas Novas e já lá vão mais de 47 anos, o Barreto Pires, fez um convite ao Bando do Café Progresso - os amigos e ex-camaradas sabem a quem me refiro - na pessoa do Presidente Jorge Teixeira (Jotex para os amigos ) para uma visita à sua terra por altura das Festas de S. Sebastião.
Dornelas fica nas terras de Barroso, freguesia do Concelho de Boticas em Trás-os Montes.
Convite aceite e a rapaziada meteu carros e camionetas ao caminho. Uma grande parte do percurso desde a minha-nossa Cidade do Porto - e há duas alternativas - é feita por auto estradas e depois por estradas nacionais de muito boa qualidade.
O nevoeiro e a neve são presenças nesta altura do ano. E se nuvens escuras são sinónimo de frio, não assustam viandantes experimentados, tenham ou não assumido temperaturas de 40 e mais graus nos velhos tempos.
Vamo-nos aproximando do destino, Barroso cá estamos nós, mas ainda há tempo para umas fotos paisagisticas
Chegados e bem dispostos, (já tínhamos feito o mata-bicho na casa nova do Pires) vamos então conhecer Dornelas e a história da Festa de São Sebastião. Na foto, o Cruzeiro.

O Povo local gosta que lhe chamem Couto de Dornelas, criado em 1127 pelo nobre Ay Ayres que raptou da corte de D. Afonso Henriques (o nosso primeiro) uma dama e com ela veio viver para estas terras que, segundo a história era despovoada. Construiu residência e capela.

Torre posterior e Igreja matriz onde se realizou a Missa em honra de S. Sebastião
Foram chegando forasteiros para a povoar e logo que se acoutassem à capela não poderiam ser presos nem punidos pela justiça do rei. Começaram a cultivar os terrenos para o senhor.
 Pelourinho. Ao fundo a serra do Barroso e a neve.
Vamos descobrir a Festa de S. Sebastião presa a duas lendas.
Uma antiga de há muito, muitos anos... houve na região um ano de muita fome e peste. O Povo pediu a S. Sebastião que os protegesse. Em troca prometeram realizar  uma Festa onde não faltasse carne e pão a quem a ela comparecesse.

A Torre vista de trás e o Povo esperando à porta da Igreja o final da missa

A mesa do Santo que se estende pela Rua principal
Os anos passaram e o povo foi ficando esquecido do seu Santo e da Festa, mesmo que tenham havido anos de doença e fome. Até que chegaram as invasões napoleónicas, mais concretamente a segunda de 1809 com a sua fama de pilhagens, violações e mortes.
O povo voltou a acolher-se sob a protecção do Santo: Se os invasores não entrarem no Couto faremos todos os anos no dia 20 de Janeiro uma festa em tua honra onde não faltará comida a toda a gente que a ela vier...

 A mesa entendendo-se ao longo da rua principal.
Continuando a história da lenda, caiu um nevão tão grande que não permitiu aos invasores franceses descer ao Couto.
Diz o meu amigo Barreto Pires que os invasores transitavam em direcção ao Porto pela estrada romana Chaves-Braga que passa pela serra do Barroso e aqui bem perto.
 A carne era e ainda é cozinhada nos potes de ferro, na casa do Santo à volta de uma grande lareira.
Porque não consegui melhores fotos, recorri ao meu amigo Fernando Súcio.
O Povo cozinhando para o Povo
A bênção da comida 

Saída para a procissão 
O Santo saindo da sua casa

Espigueiro onde se guardam ou guardavam os cereais. Existem alguns ainda. 

Aguardando a distribuição da comida, o Povo faz a festa. 

Vem gente de muitas localidades para a Festa. A tradição ainda é o que era.

Vão-se comendo os merendeiros trazidos de casa enquanto se aguarda pela comida benzida.
Festa é Festa e há muita animação mesmo com imenso frio. 


Velho moinho de água. Um casal sénior aproveita para merendar. 
Nestes moinhos moíam-se os cereais para fazer o pão.

Uma parte do percurso onde a mesa está instalada. Digo eu que não medi que tem 500 metros. Há quem diga que são 1000 metros. Percorrêmo-la toda mas nem dei fé da sua extensão.
Não assistimos à distribuição da comida, iría demorar muito. Seguimos para a casa velha do Barreto Pires no lugar de Gestosa, que pertence à freguesia e onde fomos presenteados com uma bela refeição.
Começando por aperitivar com verdadeiros Rojões como são servidos na região, rojidos na sua banha,  juntamente com o pão tradicional.

Contou o meu amigo Barreto Pires que no tempo dele, da tradição fazia parte o doar das carnes, que eram de Porco como ainda hoje é. Quem oferecia o Peito, o Cachaço, a Barriga, enfim, cada parte do bicho, essa parte é a que vinha para a sua mesa onde partilhava com os seus convidados e amigos no dia da Festa.
Fazendo jus à tradição da Festa fomos presenteados com o melhor e mais completo cozido trasmontano que já apreciei.
Carnes e enchidos da região, criados e fabricados em "casa". Incluiu carne de boi barrosã e frango da "casa" .
Legumes da terra, mais o feijão vermelho, arroz e hortaliças. O vinho não era o dos mortos, porque essa tradição acabou.

No final do repasto, as senhoras que trabalharam - a esposa e a cunhada do Pires, ofereceram o pão que havíamos de trazer para a viagem.
A partilha do pão pelo Barreto Pires e pela esposa D. Maria da Luz.

Assim é a tradição das gentes transmontanas, gente que muito considero desde há anos. Já não me admiro pela seu lhano e gentileza pois habituaram-me a elas.
Um abraço fraterno ao meu amigo que para além do mais me fez conhecer mais um pouco desta região e das suas tradições.


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

207 - Comércios novos em velhos Comércios

Depois de deixarmos o Café Piolho que tantas recordações trouxe a amigos que me enviaram mensagens de saudade, continuamos na zona, concretamente no Carmo que faz parte da memória da Cidade do Porto há centenas de anos. Era uma área do Campo do Olival e que a partir de 1619 se começou a designar Carmo.
Lá estão as Igrejas dos Carmelitas e de Nossa Senhora do Carmo mais o seu Hospital, o quartel da GNR nas instalações do velho Convento do Carmo, o Hospital de Santo António e a Escola de Ciências Biomédicas em edifícios que são um marco da arquitectura centenária da Cidade.
Mais histórias existem do Carmo e Carmelitas sobretudo durante as invasões napoleónicas (1809)  onde as tropas invasoras se alojaram e saquearam o que era Carmelita e se trataram no Carmo.

Vamos visitar a Garrafeira do Carmo, no gaveto da Rua e Travessa do Carmo a qual se chamava em 1755 Viela dos Poços das Traseiras da Cordoaria e quatro anos mais tarde passou a Rua.
Em conversa agradável como o actual dono, o senhor Ramos, a dona a quem comprou o edifício, senhora na altura com mais de 80 anos, disse-lhe que já a bisavó morava aqui. Presume-se que a casa terá a sua origem no século XVIII.
 O alvará de comércio mais antigo que se lhe conhece data de 1904 e era de uma sapataria. Posteriormente foi latoaria (funileiro em Portuense) e depois uma charcutaria e mercearia fina, a Casa Ramos. A Garrafeira foi inaugurada em 1990.
Foram mantidas as estruturas iniciais embora se tivessem feito obras grandes, pois a casa precisava delas.
 Mobiliários bem adaptados, obras de arte, fotos, cartazes antigos, peças de utilidade doméstica e de comércios estão à disposição dos olhares de quem gosta apreciá-los.
O sortido de bebidas nacionais e estrangeiras para venda é grande. Destaque para os vinhos portugueses e especialmente para a enorme variedade dos Vinhos do Porto, onde encontramos relíquias com séculos.
Um prazer olhar à nossa volta, e sentir a gentileza como fui recebido. No intervalo, sempre se ouvem conversas com clientes. E posso confirmar que os preços comparados com os das grandes superfícies, da mesma marca, são bem inferiores.
Deixo a sugestão para compras aos amigos que nos visitam. Variedade, bons preços e gentileza. E fazem entregas ao domicílio.
Espreitem a página http://www.garrafeiracarmo.com/

A história do Carmo foi colhida nos escritos do Prof. Germano Silva.

Vamos para a baixa, mais concretamente à nossa Sala de Visitas.
Na Praça da Liberdade, o Café Imperial - que já não o é e não deveria ter sido permitido colocarem-se as letras da nova proprietária, pelo menos com este destaque - foi um símbolo da Cidade na Baixa.
Foi inaugurado na década de 30 do século passado, destacando-se de imediato a Águia Imperial da autoria do escultor Henrique Moreira (Avintes, 1890-1979) que tantas obras deixou espalhadas pela Cidade do Porto, incluindo os Meninos da Avenida.
A imponência da fachada do Imperial ainda nos anos 70/80 
(foto recolhida na página de Susana Faro - http://www.porto24.pt/memoria/viagem-ao-centro-porto/ )

No interior mantêm-se as decorações originais. Espelhos de Cristal e por cima um friso de baixos relevos em gesso representando motivos de dança, também da autoria de Henrique Moreira, mas mudaram-lhe as cores originais.
 Ao fundo por cima do enorme balcão e área de serviço, um vitral representando o ciclo do café, do Grão à Chávena, da autoria de Ricardo Leone, vitralista que recuperou a arte do vitral em Portugal, falecido em 1971.
(Ver  http://sigarra.up.pt/ffup/pt/web_gessi_docs.download_file?p_name=F-1152441855/O%20Vitral.pdf )
Hoje o extraordinário vitral encontra-se parcialmente escondido dos olhares. Comparar com o pormenor da foto, em baixo.
Foto recolhida em http://porto-desaparecido.blogspot.pt/2014/07/cafe-imperial.html 

 A iluminação está muito diferente, bem como o mobiliário. Sofás de couro estavam ao longo das paredes. Não sei se desde a origem mas sentei-me muitas vezes neles.
Ao fundo a entrada para os andares. 

Para irmos ao salão dos bilhares, tínhamos de passar pelos "engraxadores", uma fila de várias cadeiras,  já não me lembro de quantas,  que tinham sempre clientela para puxar o lustro aos sapatos.
Foto recolhida na página do amigo http://doportoenaoso.blogspot.pt/

Fui um frequentador assíduo deste café durante anos. Primeiro no salão de bilhares que existia, creio, no segundo andar e mais tarde na salão do café, principalmente após a saída do trabalho para o cimbalino do relaxe. Na altura do 25 de Abril era à porta que se compravam os jornais da tarde para saber as últimas. Saudades do Norte, conforme apregoavam os ardinas.
Aqui conheci Virgínia Moura.
No andar inferior, totalmente modificado agora, era um restaurante bem frequentado. Ali recebi uma festa-jantar de despedida ofertada por companheiros de trabalho nos anos 70. O prato foi Polvo à Bordalesa.

No passeio do outro lado, já na Avenida dos Aliados, encontra-se o Guarany. Conhecido como o Café dos Músicos, pois era aí que paravam esses profissionais antes e depois dos espectáculos diários que se ofereciam à noite na Cidade nas muitas e diversas casas.
Isto sou eu a contar pelas recordações que ouvi do meu Pai. Mas é verdade porque na página do Café lá está referido em destaque.
Inaugurado em 29 de Janeiro de 1933, foi obra do Arquitecto Rogério de Azevedo - já escrevi neste espaço sobre o homem e parte da obra dele. A decoração foi de Henrique Moreira.
O nome do Café relembra os índios da América Meridional e é uma alusão ao Brasil dos anos XX , o primeiro produtor mundial de Café.
O Café Guarany teve um período difícil a partir dos anos 80. Foi recuperado em 2003 , restaurados mobiliários, candeeiros, apliques, cobres. Quase voltou aos anos 30 do século anterior.
A pintora Graça Morais ( n.1948 em Vieiro - Vila Flor - Trás-os-Montes ) produz os painéis Os Senhores da Amazónia para a inauguração pós recuperação.

De destacar o ÍNDIO, relevo em mármore de Henrique Moreira.
Foto recolhida na página do Café Guarany.
http://www.cafeguarany.com/pt/Utilidades/Homepage.aspx

Outras fotos recolhidas na página do Café



Meus amigos, leitores e seguidores. Minhas amigas, leitoras e seguidoras.
É mais uma página de interiores e não só, de estabelecimentos comerciais da minha-nossa Cidade do Porto que podem apreciar. Boas visitas.

sábado, 17 de janeiro de 2015

206 - Histórias de mais espaços interiores

A saga (narrações, histórias, lendas, verdades, segundo uma enciclopédia) é o meu lema do momento para ir seguindo figuras heróicas (no sentido figurado) que habitam no mundo de um povo com cultura.
Filósofo, poeta, romântico ? Nada disso. Apenas olho o que me rodeia dentro dos muros da minha Cidade e aqui vai disto. O resultado só os meus queridos e queridas visitantes definirão.
Para já, o prazer é meu em dá-lo a conhecer.

As pesquisas são para aprender e conhecer novas coisas. Precisava de uma foto que mostrasse o lado sudoeste do Mercado do Bolhão.
Que a história do Mercado já vem desde a primeira metade do séc. XIX, creio que os Portuenses e não só, sabem. A sua abertura primitiva é de 1850 e ao longo dos anos sofreu muitas alterações. Um dia hei-de desenvolver a sua história se para tal tiver competência; mas por agora o que me interessava conhecer (para vos elucidar convenientemente, caros e caríssimas leitores e leitoras) era a imagem após a finalização do edifício em meados da década de 10 do século XX.

 Tudo tem a sua razão de ser. Não me farto de o dizer e escrever. Fui espreitar - embora já o tenha feito diversas vezes - a Hortícola do Bolhão. Casa que foi aberta ao público em 1921. Mas antes dela que comércio existiu aquando da abertura do remodelado edifício ? Uma charcutaria, a Internacional, fiquei a saber.
Tanto o exterior como o interior mantêm a sua traça arquitectónica original.
Mais um interior comercial da minha-nossa Cidade do Porto lindíssimo, bem preservado nos seus mármores e estuques pintados.
De realçar a simpatia com que somos recebidos, embora conheça há muitos anos o Zé, o que provoca sempre uma pequena conversa para recordar velhos tempos.
Não sei quantas vezes entrei nesta casa e nunca tinha reparado na fonte que lá está e cuja origem se desconhece.
Como não farto de dizer, há sempre algo de novo mesmo que passemos inúmeras vezes pelo mesmo lugar ou espreitemos as mesmas coisas.
Desejo longos anos de vida à Hortícola do Bolhão.


Ahh, e onde podemos comprar o Seringador e o Borda d'Água, revistas com tradições antiquíssimas nas Agriculturas e Floriculturas. E não só...

Mudemos de ambiente e vamos até ao Âncora D'Ouro.
Escrito assim, ficarão os meus amigos Portuenses na dúvida ? Mas se escrever PIOLHO ? de certeza  já sabem ao que me refiro.

Pois é, estamos próximos do edifício da Reitoria da Universidade do Porto, encostados a Carlos Alberto, ao Carmo e aos Leões. Locais de referência da Cidade, com tradições antigas.
Antes de mais, vai daqui um abraço aos meus queridos amigos Vasco da Gama e João Miranda, velhos (antigos) frequentadores desta "Universidade da Vida".

O Âncora D'Ouro tomou o nome de Piolho - cá está, não sei se lenda se verdade - porque era o único café na zona frequentado pelos feirantes do extinto Mercado do Anjo, ali bem próximo, onde iam tomar o pequeno almoço com a sua caneca.
Feirantes sujos, sinónimo de piolhos, doença muito comum em épocas sinistras da Cidade, logo o apelido. Ou apenas como um aglomerado de pessoas que se acotovelavam no espaço.
Também há quem afirme que o apelido derivou dos estudantes universitários (a Academia era no actual edifício da Reitoria da UP) que faziam do Café o seu local habitual, desde a hora do pequeno almoço. No fundo, o mesmo aglomerado de gente e vai dai, seriam os Piolhosos.
Na minha-nossa Cidade do Porto, existe a palavra Piolhoso para definir pessoa de baixos instintos; ou incapaz de ajudar um amigo; ou ainda porque não alinha seja para o que for, bom ou mau.
Um exemplo: Amigos encontram-se e propõem um passeio. Há quem não alinhe, logo é considerado "és um piolhoso".
Adiante.
O Piolho fez 100 anos há 5 anos, mais coisa menos coisa, o que o torna num dos cafés mais antigos da Cidade.
Mas é muito difícil ter a certeza de alguma coisa. Existiria em 1889 um botequim com o nome de Âncora D'Ouro, comprado pelo casal Francisco e Cremilda Lima que inauguram o novo café na véspera de S. João de 1909, ainda sem licença.
Mobiliário com a Âncora gravada, marca do Café.
Também na divisória dos sanitários.
Recordações do passado.
Pelas paredes do café estão placas alusivas a cursos de estudantes que por aqui passaram e se formaram.

A mais antiga é de 1947 mas não a consegui localizar.
Não se sabe desde quando tomou o apelido Piolho, mas sabe-se que era frequentado especialmente por alunos de Medicina, a que se foram juntando os das outras Faculdades. Oposionistas ao governo de Salazar e também de agentes infiltrados da PIDE, a polícia política de repressão. Mas isso será desde os anos 40 do século passado, porque história mais antiga não consegui encontrar.

Esta a única foto antiga que encontrei do café, deve ser dos anos 70 e roubada do blog amigo
http://doportoenaoso.blogspot.pt/ um dos melhores blogs sobre a Cidade.

Em 1974 o café foi vendido a um grupo de brasileiros e perdeu muito do seu carisma.
Creio que cerca de 5 anos depois foi novamente vendido à empresa actual, que o remodelou mas mantendo a estrutura.
Mas não confirmo esta informação, que para o caso não interessa nada.