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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

176 - A Rua de Santa Catarina. Casarões, Fotógrafos e Comércios

Há ruas que marcam a nossa vida. A de Santa Catarina foi e ainda é uma das que mais me marcaram desde os tempos de criança. Une as duas partes da Cidade onde foi passada a minha infância e parte da juventude: O Marquês - Praça Marquês de Pombal - e a Rua do Visconde de Setúbal (e todas as outras que lhe estão próximas) onde vivi; e a Rua de Entreparedes, na Batalha onde num casarão do Sr. Carvalho, mais conhecido pelo Caga-Libras, a minha avó foi governanta da família.
São outras estórias da minha história de vida, algumas já divulgadas neste espaço.

A Praça do Marquês de Pombal, que teve anteriormente o nome de Alameda ou Largo ou Praça da Aguardente, quer porque se comercializasse aguardente ou porque existiria um alambique. Foi uma zona fortemente atingida tanto na época das invasões francesas como posteriormente durante as Lutas Liberais e o Cerco do Porto
Por volta de 1850 a praça já tinha a configuração actual e o espaço foi ajardinado em 1898.
Casa do Arquitecto Marques da Silva, actualmente sede da Fundação do Instituto Marques da Silva.

Há já algum tempo que queria "fazer" a história da Rua de Santa Catarina. Infelizmente escolhi mal o dia, porque a chuva veio acompanhar a minha viagem. Valeu-me o amigo Peixoto para segurar o guarda-chuva e aturar-me com a sua paciência habitual. E juntos recordarmos esta Rua.
Que começa na Praça da Batalha e termina no Marquês. Mais de um quilómetro e meio de boa subida. Por isso começo a história descendo a Rua, que aos poucos irei desvendando associando-a a factos da minha vida. Poderei chamar-lhe o início da viagem.

De costas para o Marquês, temos o cruzamento com Latino Coelho e começa Santa Catarina.
Nos edifícios do lado direito, na esquina ficava a Mercearia e o Café Pereira e logo a seguir, na cave, uma oficina de ourivesaria onde meu pai me levava a ver os artesãos. Fascinado olhava o trabalho nas peças de ouro. Pertencia a oficina a um colega da juventude do meu pai, também ele artesão de ourivesaria.
Situava-se também o Estúdio Fotográfico do Teófilo Rego. Nasceu no Brasil em 2 de Julho de 1914 e 10 anos mais tarde veio com a mãe e dois irmãos repatriados num barco de carga. No ano a seguir ficou órfão e foi trabalhar para as oficinas de Marques Abreu, próximo a São Lázaro. Um dos grandes senhores da fotografia, da zincogravura, das artes gráficas.
Voltando ao Teófilo, deixou o Marques de Abreu em 1944 e vai trabalhar para o fotolito da Litografia Maia uma grande empresa da Cidade e do País, mas apenas por dois anos. Monta o seu primeiro Estúdio na Rua da Alegria e em 1956 muda-se para Santa Catarina. Trabalha com o filho Horácio - meu amigo e fornecedor, que se zangou com o pai nos anos 80 e precocemente falecido - e a filha e neta de quem nada sei. Faleceu em 1993 e o seu valioso espólio foi para a Fundação Manuel Leão, com sede em Vila Nova de Gaia.

À esquerda a Rua das Doze Casas. Local obrigatório onde as escolas de condução mandavam os instruendos aprender, porque a meio dois muros a encolhiam e os Carochas que eram muito utilizados na aprendizagem, passavam rés-vés por essa garganta.
De grandes recordações essa Rua, porque no número 40 habitava e dava aulas a Dona Belmira, minha professora durante os 4 anos da Escola Primária e que já tinha sido do meu irmão. A ela devo muito.

Um pouco mais à frente encontramos a Casa de Saúde de Santa Catarina. Que conheci por dentro há uns anos, embora nunca tenha reparado nas obras de arte que julgo ainda possuir.
Conhece-se o Palacete como de Souza-Soares mas primitivamente pertenceu ao médico José de Andrade Gramacho, Lente da Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Em 1901 vende-o a Souza-Soares, nascido em Vairão, Vila do Conde, em 1846, de pai médico e mãe farmacêutica.
Gramacho ficou orfão, emigrou em 1862 para o Maranhão no Brasil onde já se encontrava um irmão. Adoeceu de Homeopatia e desceu para o Rio Grande do Sul. Casou em 1873 e foi para Pelotas, fundou o seu Laboratório Homeopático onde descobriu um remédio contra o veneno das cobras. Inventou o Peitoral Cambará a partir desta planta para combater doenças pulmonares. Em 1883 funda na Vila do Prado o Parque Pelotense numa campina árida e inculta que transformou em terrenos de lavoura, bosques, jardins, lagos, cascatas, praças com estátuas e avenidas. Hoje pouco restará deste parque. Quando regressou a Portugal, neste casarão fez o seu Hospital. Faleceu em 7 de Junho de 1911 em Vila Meã, relativamente próximo do Porto. Texto respigado do livro Os Palacetes dos Brasileiros no Porto.
  
Voltados para o Marquês
Imagem no sentido Norte-Sul, a parte nova de Santa Catarina, que deve ter sido começada a construír a partir de meados da década de 80 do séc. XVIII. Começou como prolongamento da Rua a partir de Fradelos e que se chamou inicialmente Rua Bela da Princesa. Lá iremos a esta história.

Vão reparando, meus amigos e amigas, nas belas cantarias, nos azulejos e no ferro, materiais de construção muito usados na Cidade do Porto.

Este é o famoso Castelo de Santa Catarina, mandado construir em princípios do séc.XX pelo comendador António Pimenta da Fonseca, natural de Lever mas grande industrial em Crestuma, lugares vizinhos de Vila Nova de Gaia. Hoje é uma unidade Hoteleira e são dignos de apreciação os impressionantes painéis de azulejo que forram exterior e interiormente todos os edifícios, salas e quartos. Fiz grande destaque a este monumental conjunto na minha obra sobre os Azulejos do Porto, volume II.
Quase em frente o Palacete de António Pereira da Silva, do qual não consegui nenhuma referência. Foi nos anos 60 e 70 Posto de Saúde com a especialidade de Dermatologia. Agora é a sede da Direcção Regional de Saúde do Norte. Acho que é isso.

Chegamos à zona da Fontinha mas temos de seguir para a direita para entrar num dos bairros mais populares e industrias que a Cidade teve. Para além da Fábrica Social foram as indústrias do ferro espalhadas por oficinas pequenas, mas que empregavam muita mão d'obra. A Companhia Aurifícia, na Rua dos Bragas, agora ruína industrial, veio acabar com essas pequenas oficinas a partir de 1864. Outras histórias. 

No número 1018, onde está a unidade hoteleira representada na foto, viveu o Grande Poeta Guerra Junqueiro. Nasceu em Freixo de Espada à Cinta a 17 de Setembro de 1850 e faleceu em Lisboa a 7 de Julho de 1923. Foi bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo, político, deputado, escritor, jornalista. Aderiu aos ideais Republicanos a partir do Ultimatum Inglês. A sua obra mais reconhecida será a Velhice do Padre Eterno de 1885.
Se os meus amigos e amigas pretenderem ler algumas das suas obras poderão fazê-lo em http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/junqueir.htm#simples. No Museu e na Casa de Guerra Junqueiro expõem-se muitas das colecções que reuniu ao longo da vida. São visitas que recomendo mas atenção aos horários. Ficam ambas, uma em frente da outra, por detrás da Sé, na Rua D. Hugo. Outras histórias para futuros temas.

Só por uma razão aparece este edifício e por causa das tais memórias da minha infância e juventude. No amplo rés-do-chão, nos anos 50 ou 60, já não recordo, esteve instalada a primeira lavandaria industrial da Cidade do Porto. Chamava-se Texas. O reclame luminoso a toda a altura do prédio era digno de ser visto, com as luzes tremeluzentes, formando setas e um cóboi com um laço, agarrado à sela do cavalo, a girar, encantavam. As máquinas, enormes, viam-se da rua, pois as montras do edifício eram totalmente em vidro. A luz fazia parecer dia, numa época em que os candeeiros eram espaçados e se bem se lembram, caros portuenses, aos globos chamávamos-lhes de Cabeças de Nabo. Ainda há alguns pela cidade, esses típicos candeeiros com os postes em ferro. Uma obra de arte. Ah, e no gingle radiofónico, para além de uns tiros e da música countrie bem rápida - tipo genérico do Bonanza da década de 70/80 - ouvíamos a voz do locutor ... Texas não é só isto...
Adiante.
À esquerda, a célebre Rua da Escola Normal, mais conhecida como Rampa. Aqui também se fazia instrução auto. Ao alto, do lado direito era a Escola Normal onde se formavam professores, para além de ser Escola Primária.


Do lado direito é a Travessa da Fontinha e no edifício das portas e janelas verdes, no rés-do-chão, uma pequena casa onde dizem que se comem bons petiscos.

Caminhamos sensivelmente um terço da Rua de Santa Catarina. Fazendo esquina com a de Gonçalo Cristóvão, o casarão da delegação no Norte do Automóvel Clube de Portugal.

Passada a Rua de Gonçalo Cristóvão, deparasse-nos a actual Escola Augusto Gil, que anteriormente foi um Colégio de Elite. Augusto Gil poeta portuense nascido em Lordelo do Ouro em 1873 faleceu em Lisboa em 1929. Todos os Portugueses do meu tempo e não só, recordarão o belo poema Balada da Neve, obrigatório na Terceira Classe. Os governantes de todo o mundo deveriam aprendê-lo. Mas enfim, sigamos.


Quase em frente temos outro belo casarão, com placas informativas de associações ligadas à natureza e à agricultura. Meio abandonado, senão todo, é um dó de alma vê-lo neste estado.

Voltamos ao lado esquerdo e apreciemos os edifícios. E a chuva caía leve, levemente, como que a molhar tolos.

Esta é a Rua Guedes de Azevedo. A zona envolvente é conhecida por Fradelos - ainda há uma Capela um pouco mais à frente conhecida por esse nome e cuja discrição referi no meu post sobre Rua de Sá da Bandeira - e eram os terrenos de uma Quinta de onde saía um caminho em direcção à Porta de Cimo de Vila que existiu na Praça da Batalha. Esse registo é de 1662. Em 1748 aparece registado esse caminho como Rua Nova de Santa Catarina e cujo alinhamento foi corrigido em 1771. Por iniciativa de João de Almada e Melo de 1784, esse caminho-rua, foi prolongado até à Alameda da Aguardente. A tal Praça Marquês de Pombal onde começamos este roteiro.
Só por curiosidade deixo esta nota: A Rua Guedes de Azevedo actual foi aberta nos princípios do séc. XX pela oferta dos terrenos do milionário senhor que lhe deu o nome. Liga Bonjardim a Santa Catarina.

Os vários arruamentos que atravessam Santa Catarina - chamemos-lhe a parte velha da Rua - são do século XIX. Esta é a Rua da Firmeza, (uma homenagem ao Liberalismo da Cidade) concluída em 1885, junção de dois arruamentos: A Travessa da Alegria e a Rua de S. Jerónimo. Bonito o Casarão que faz esquina do lado direito-norte.
A casa com o número actual 630, onde se vê a placa recordando que aqui casou e morou Camilo Castelo Branco com Ana Plácido. Por demais conhecidas as suas histórias já neste espaço referenciei algumas.
Do outro lado um pouco mais abaixo, no número 469 nasceu António Nobre em 16 de Agosto de 1867. A colectânea de poemas que dariam origem a SÓ, a única obra publicada em vida e em Paris no ano de 1892 foi um marco da poesia portuguesa do séc. XIX. Faleceu na Foz do Douro em 1900 a 18 de Março.
Curioso, para mim, o conjunto de edifícios à volta da casa do Poeta.

Em frente é a Capela das Almas ou de Santa Catarina, construção dos princípios do séc. XVIII, sendo todo o exterior revestido com 15.947 azulejos de 1929 da autoria de Eduardo Leite e fabricados em Lisboa na Fábrica de Cerâmica da Viúva Vitória. Fabulosos os painés da fachada do lado sul, situada na Rua de Fernandes Tomáz.
Cruzamento com a Rua de Fernandes Tomás. Ao fundo a Praça da Batalha.A partir daqui, a Rua de Santa Catarina torna-se muito mais comercial, embora nada como dantes. Era impressionante a luminosidade dos reclames e das montras. Um prazer este passeio público nos anos 50 e 60 e parte dos 70 que os portuenses denominavam de "ver as montras".

Um casarão em frente à Capela da Almas.

 A caminho da Praça da Batalha

O Via Catarina, centro comercial e diga-se de passagem muito bonito, foi o edifício onde esteve instalado o Jornal O Primeiro de Janeiro tendo sido publicado o primeiro número em 1 de Dezembro de 1868. Deve o seu título às manifestações da Janeirinha que iniciaram o processo que levou fim à Regeneração. Coisas políticas que fazem parte da nossa História. Aliás, o jornal começou como sendo um órgão do Centro Eleitoral Portuense, conforme se lia no cabeçalho. Foi fundado por António Augusto Leal, dono de uma tipografia, mas foi Gaspar Baltar comerciante regressado do Brasil, adquirindo-o em 1869, que lhe deu uma grande projecção. Em 1870 o Jornal instala-se neste edifício e é devido à Guerra Franco-Prussiana com início nesse ano que obtém o primeiro grande sucesso.
Grandes nomes da literatura foram colaboradores do Jornal (Camilo, Eça, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Latino Coelho, Alberto Pimentel, António Nobre, Oliveira Martins, Gomes Leal, Antero de Quental...)
Passando posteriormente por várias mãos, foi comprado em 1923 por Manuel Pinto de Azevedo e Adriano Pimenta, sendo dirigido por Manuel Pinto de Azevedo Júnior desde 1936 e durante 40 anos.
Tenho de registar que na rotativa do Janeiro também se imprimia o Norte Desportivo, do saudoso Alves Teixeira, tendo passado pela redacção grandes nomes do jornalismo português. Na cercania do edifício, juntava-se ao domingo por volta das 17 horas, uma pequena multidão à espera da saída do Jornal para saber as últimas do futebol.
O grande fotógrafo Henrique António Guedes de Oliveira teve neste edifício o seu estúdio. Nasceu no concelho de Baião a 26 de Janeiro de 1865 e morreu em 1932. Veio com um ano de idade para o Porto com os pais. Cedo mostrou interesse pelo jornalismo e pelas artes tipográficas. Estreou-se em jornais juvenis, trabalhou no Jornal O Primeiro de Janeiro, foi redactor da Revista Miau de características satíricas e onde escreviam e desenhavam grandes nomes da intelectualidade.
Interessante o espaço http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/FichasHistoricas/Miau.pdf  que refere com muito pormenor a vida da Miau e dos seus colaboradores.
Em http://www.apovni.org/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=10:fina-darmada-na-apo&catid=1:Aparicoes lemos uma reportagem sobre a dissertação das Aparições de Fátima pela escritora Fina d'Armada, destacando-se o Espiritista António, pseudónimo do Guedes,  com a sua estória premonitória. 

Voltando ao edifício podemos ler numa placa Direcção Geral do Património. Não sei se existem aqui serviços deste organismo.
Chegamos ao cruzamento com a Rua da Formosa. Chamada anteriormente Rua da Neta, aparece já com o nome de Formosa em 1813. O plano de melhoramentos de 1874 incluía a Rua.
 Cruzamento com a Rua Formosa
Restaurado o edifício onde na loja já lá vão muitos anos foi a Luvaria High-Life. Creio que tinha 7 anos de idade quando o meu pai me comprou o primeiro par de luvas. Lindas, em pele de cor preta forradas com lã.
Num destes edifícios que marcam as esquinas, tinha escritório de advocacia Augusto Manuel Alves da Veiga (Izeda, Mirandela, 28.Set.1850-Paris, 2.Dez.1924) e onde terá sido preparada a primeira revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891 e cuja liderança lhe é atribuída. Alves da Veiga formou-se em Coimbra e veio trabalhar para o Porto em 1874. Foi escritor, professor, político e estadista. Sobre a sua vida estão disponíveis várias páginas na net.

Grande Hotel do Porto
Abriu as portas em Março de 1880. Nele esteve exilada a família imperial brasileira em Novembro de 1889 no seguimento da proclamação da República. Um mês depois faleceu  Dona Teresa Cristina, esposa de D. Pedro II e última imperatriz do Brasil.
Foi local de estada e passagem de ilustres escritores e políticos.

Pegado fica o edifício da antiga Camisaria Confiança, em cuja fábrica trabalharam mais de 1.000 costureiras. Hoje são as galerias da Benetton.
O primeiro filme português foi realizado por Aurélio Paz dos Reis com o título Saída das Costureiras da Fábrica Confiança e pode ser visto em http://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital/Ficha.aspx?obraid=905&type=Video

Do outro lado da Rua, à esquerda é a casa onde nasceu Arnaldo Gama em 1 de Agosto de 1828. Formado em Direito em Coimbra exerceu advocacia no Porto. Dedicou-se desde cedo ao Jornalismo e à Literatura, autor de romances de ambientes históricos. Da sua obra destacam-se Um Motim há Cem Anos, A última Dona de S. Nicolau, O Balio de Leça, obra póstuma. Faleceu no Porto em 29 de Agosto de 1869.
Ao lado, o que foi o Grande Bazar do Porto. Do começo do séc. XX era frequentado especialmente pela alta burguesia. Influenciou o pequeno futuro grande Ruben A. - família Andresen - que registou as passagens pelo bazar em O Mundo à Minha Procura.
Vendiam uma variedade enorme de artigos para além de brinquedos: perfumarias, artigos de viagem e de desporto, autopianos e gramafones e respectivos discos e rolos. Os anúncios em folhetos ou recortes de Jornais, de 1926, podem ser vistos em documento da Cinemateca.
Não sei a descendência de Luíz Soares, mas conheci um sobrinho com o mesmo nome, nos anos 60, que também vendia artigos para a indústria gráfica. Como recordação ficou-nos o painel cerâmico.

Na antiga Mercedes da C. Santos que aqui existiu mais de 40 anos, instalou-se a primeira loja Zara fora de Espanha. Mesmo ao lado ficava a Casa das Gabardines Vieira tendo como símbolo uma águia, cujos donos e familiares conheci. Eram naturais de Vieira do Minho e cheguei a visitar a sua casa com a minha avó.
A Bruxelas fez grandes obras de remodelação no edifício mas a parte superior da fachada manteve-se.
Há mais de 15 anos, comprei aqui o meu último fato - fato, roupa de vestir e não fato de facto, ou terno como os compadres brasileiros gostam de dizer, embora de duas peças. Castiça a nossa língua -. Ainda o tenho, mas nem sei quando o vesti pela última vez.

Num outro lindo casarão em frente temos a Casa da Beira Alta, associação regionalista mais antiga do Porto. Não encontrei nenhuma referência histórica.
Por baixo situa-se a sexagenária Confeitaria Império, recordando tradições de velhos tempos.Na Mengo's também servem muito bem, embora seja recente, relativamente claro. 

Em frente é a velha Fotografia Alvão e o Majestic. A Alvão foi fundada em 1 de Janeiro de 1902 - ou será 1903 ? - por Domingos Alvão, nascido no Porto em 1872 e faleceu em 1946 já muito debilitado por doença. Foi discípulo de Emílio Biel (Karl Emil Biel - Amberg-Baviera, 1838 - Porto, 1915) na sua segunda casa fotográfica na Rua do Bolhão. Associou-se a outro grande fotógrafo, o Álvaro Azevedo, que havia sido seu aprendiz e entretanto embarcado para o Brasil. Após o regresso quatro anos depois, formam a sociedade Casa Alvão e Companhia. Em 1937, Álvaro é o único proprietário até 1967 ano do seu falecimento. Arnaldo Soares é o proprietário actual da Casa, que abriu há um ano uma loja gourmet de grande especialidade.
O Majestic abriu em 1921 com o nome de Café Elite que havia de mudar para evitar possíveis conotações políticas ou burguesas. Foi um café de Tertúlias, pensadores, políticos, artistas. Encerrou em 1992 para restauro, reabrindo 2 anos depois. Majestosa a arte nova digna de ser apreciada. Continua a ser local de referência da Cidade. É um dos dez mais belos Cafés do Mundo.

Chegamos à Rua de Passos Manuel e à maravilha arquitectónica de 3 edifícios.
Este era o da antiga Casa Inglesa, especializada em Fatos e Gabardines. Actualmente está instalada e desde há um ano a nova loja do Marcolino Relojoeiro.

O extraordinário edifício Palladium
As actuais Galerias Palladiun começaram por ser os Grandes Armazéns Nascimento. Obra grandiosa de Marques da Silva encomendada pelo industrial de marcenaria António Nascimento para exposição de móveis e decorações para o lar. Iniciada a construção em 1914 a guerra 14-18 atrasou as obras. Foi inaugurado em 1927, já o proprietário tinha falecido. Devido a um incêndio que destruiu a fábrica no Freixo em 1934, os proprietários foram obrigados a vender o edifício em 1937. No entanto e ainda durante muitos anos, recordo-me perfeitamente que uma parte do lado da Rua de Passos Manuel manteve-se com exposição de móveis da Nascimento.
Passou a Café Paladiun, frequentado por várias tertúlias. Café e Restaurante no rés-do-chão, nos andares eram as salas de jogos e bilhares e cabaret no último. Famoso o seu prego em pão servido aos jogadores, pelas noites dentro. A Tertúlia do Xadrês a funcionar numa das salas, fundou em 1940 o Grupo de Xadrês do Porto, o mais antigo de Portugal que recebeu o grande mestre Alexandre Alekhine. 

Na outra esquina um belíssimo edifício do qual não consegui encontrar qualquer referência.


É o último quarteirão antes de chegarmos à Praça da Batalha, afinal onde a Rua de Santa Catarina começa. Contrastes arquitectónicos e comércios dos dois lados da Rua.
Na loja do meio existiu a Porfírios. Qual o Portuense que não entrou ou comprou alguma coisa nos "gandas malucos" : Quem diz jardim diz flores; Quem diz praia diz areias; Quem diz paixão diz amores; Quem diz Porfírios diz meias. Foi a loja coqueluche dos anos 60 e 70.
  

Chegamos ao fim da Rua de Santa Catarina. À esquerda é o edifício da antiga Ourivesaria Reis. Estabelecidos desde 1880, o edifício foi remodelado pela Companhia Aliança em 1906 segundo projecto do arquitecto Teixeira Lopes e a colaboração do irmão escultor. O tecto mantém a pintura romântica original.

Agora do lado direito, encontra-se a Livraria Latina que fez há pouco 70 anos. O edifício foi comprado pela família Perdigão (infelizmente desapareceu de entre nós o último familiar da geração há pouco tempo, o Henrique) e restaurado de forma a fazer sobressair na esquina da frontaria rendilhada a rosa e prata o busto de Camões do escultor António Cruz.

Já na Praça da Batalha, um edifício que marcou várias gerações que pararam no Águia d'Ouro. Uma história rica que fica para outra oportunidade. Hoje é Hotel.


Já noite fechada, em frente ao Grande Hotel do Porto, duas fotos obtidas no mesmo local.
Orientação Norte-Sul e vice-versa. E a calçada Portuguesa nos passeios. E a máquina deu o puf.
O comércio tradicional é a grande força de Santa Catarina pelo menos numa grande parte da Rua. Mas as arquitecturas, a história, a vida e o movimento constante fazem dela um ex-libris da Cidade do Porto.
Percorrê-la é um prazer.