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segunda-feira, 10 de junho de 2013

161 - O cachão da Valeira

Descíamos de Carrazeda de Ansiães em direcção a São João da Pesqueira. Ao Fernando Súcio competia olhar a estrada, a mim ver o que nos rodeava. Mas naquele pára-arranca, agora não posso é curva, mais à frente vai dar, vem um morcão lá atrás na braza, nem sempre consegui o que me parecia lindo para registar com a objectiva.
A vida é assim mesmo, nem sempre temos o que gostaríamos de ter. Mas nada como um dia atrás do outro e depois logo se vê.

Trás-os-Montes e Alto Douro eram nomes de um espaço no Norte-Nordeste de Portugal que existiu durante séculos com algumas variações e aguentou várias reformas administrativas. No meu tempo de menino da escola primária ainda existia a Região com este nome. Francamente não sei muito bem como se chamam agora e onde acaba Trás-os-Montes e começa  Alto Douro ou mesmo se ainda assim se chamam. 

É muita confusão para a minha cabeça, não sei se Carrazeda é Douro ou Trás-os-Montes. Pertence distritalmente à Transmontana Bragança, mas está no Alto Douro Vinhateiro. E São João da Pesqueira, pertence administrativamente a Viseu, nas Beiras. Entenderam, caros amigos ? 
Para o caso não interessa nada, Carrazeda tomou o nome a Ansiães, local pré-histórico como muitos desta região de Portugal. Diria mesmo que todo Portugal o foi e parece que ultimamente a ele está a regressar. 
    
Não é da pré-história do antes e do agora que vos quero falar/escrever (pobre de mim, escrivão das dúzias), queridos amigos e amigas, leitores e leitoras. Mas tentar deixar-vos sentir com uma daquelas sensações que mexem com a gente.
Como vos estava a descrever, vínhamos eu e o Fernando, cada um com a sua missão. A paisagem arrebata, quero bonecos e mais bonecos em cada curva, o Douro, o meu Rio está de novo ao alcance da objectiva.

Do outro lado do Rio já pertence ao Concelho de São João da Pesqueira, cuja sede é Vila incluída no  Distrito de Viseu e à Região Norte e sub-Região do Douro - estou a tentar dar uma ideia de como somos governados administrativamente mas é difícil, eu sei - e é um sufoco olhar para os montes e as suas encostas. O mundo é pequeno nesta enormidade de paisagens, onde se cultivam a Vinha, a Oliveira, os Pomares de Laranja e de Maçãs e de Cerejas, as Amendoeiras. Chega.
  
Após mais uma curva, na descida, surge uma barragem e uma linha do caminho de ferro. É a fantástica Linha do Douro, hoje destruída em grande parte da sua extensão. O homem constroi, o homem destroi. Uma pena não saberem aproveitar pelo menos turisticamente este potencial. Mas quem sou eu... 

Ao atravessar a Barragem, vejo a inscrição e aí o coração salta mais forte. Estamos no que foi o Cachão da Valeira, a barreira intransponível do Rio Douro. Vêem-me à cabeça o nome de D. Antónia Ferreira e do Barão de Forrester.

Conta a lenda que a 1 quilómetro a montante do Cachão em 12 de Maio de 1861, o barco onde seguiam D. Antónia e o Barão voltou-se. Naufragados, D. Antónia salvou-se porque as suas enormes saias de roda lhe permitiram flutuar até chegar à margem. O corpo do Barão nunca foi encontrado. Devido ao peso do dinheiro que levava dentro das botas altas e no cinto preso ao corpo, afundou-se e arrastado sabe-se lá para onde. A verdade é que o desastre aconteceu. A lenda das saias da Senhora e do cinto do dinheiro do Barão também ficou como verdadeira.

A barragem entrou ao serviço em 1976, possui uma eclusa para peixes e outra para navegação. Mas foi na curva que se lhe segue para montante, que existiu o Cachão da Valeira.

Estávamos um pouco atrasados e não deu para caminhar mais à procura da outra curva, a do Cachão. Que já não o há pois foi destruído entre 1780 e 1792 para permitir a navegabilidade do Douro para montante. A foto abaixo de Emílio Biel, mostra esse pormenor. Se não erro.

Se não erro, esta imagem é de jusante para montante. 
As primeiras embarcações começaram a poder atravessar o canal a partir de 1789.

Esta foto é de montante para jusante e vê-se a linha do Caminho de Ferro e o túnel.

No entanto, esta parte do Rio continuava de muito difícil e perigosa navegação. Daí o acidente que aconteceu com o barco onde viajavam D. Antónia e o Barão.
Registado na rocha da margem o local onde se presume ter a embarcação naufragado.

 O Cachão da Valeira em painel cerâmico na Câmara de São João da Pesqueira.

O Barão de Forrester, Joseph James Forrester, Kingston upon Hull, Inglaterra, (ou será Escócia ?) 27 de Maio de 1809 - Cachão da Valeira, S. João da Pesqueira, 12 de Maio de 1861, foi um súbito inglês (ou terá sido escocês ? ) que veio trabalhar para o Porto com um tio juntando-se-lhe numa empresa de vinhos, a Offley. Desenhou notáveis mapas da região do Douro, escreveu sobre ela e as vinhas,  pintou algumas cenas e ruas do Porto para além de outras do Douro. A sua residência no Porto foi a casa onde mais tarde o súbdito espanhol, concretamente o Galego Manoel Recarey Antelo fundou o Restaurante Commercial (ver postagem 159, O Infante).

D. Antónia Adelaide Ferreira (A Ferreirinha)
Régua, 4 de Julho de 1811 - 26 de Março de 1896
Foi uma notável empresária ligada à terra, produção e comercialização do Vinho do Porto. Figura mítica, histórica e humana, não pode ficar desassociada à  Região do Douro Vinhateiro e ao Vinho do Porto.

Não sei onde este foto foi feita. Mas é uma imagem de como os Barcos Rabelos que transportavam as Pipas do Vinho passavam em alguns locais no Rio Douro. Uma vezes eram os homens que puxavam o Barco em outros locais era com a ajuda de bois.

A Barragem da Valeira.
Fica-nos na memória, pelos escritos, o que seria o Rio Douro, o transporte do Vinho, os Homens que sem temor viajavam naquelas águas. E um poema.

há uma videira cárnea que te sobe às curvas,
vibra, enleia o seio, toma a boca em floração...
rasga por ti acima, eclode em bagos de paixão
como sóis que se hasteiam em céus d'ardências turvas.

um bago, um poema. mil poemas, canção de uvas
borbulhante no cálix, na concha da tua mão,
que safras tais esfriam os lábios ao verão,
esses que sonham com rios, com fontes, com chuvas.

mutante, ora és videira, ora és mulher,
uma tão doce como a outra, fartas no colo,
ubérrima ao bardo que te souber colher.

e mirram-te os deuses, em iras invernais,
porque sabem que és fruto, és chuva, és solo,
fino aroma, rival dos bouquets celestiais.


(Luís R Santos)