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terça-feira, 19 de março de 2013

154 - Lendas, Estórias e História da minha Cidade do Porto

Os nossos olhos não negam o que vêm. Verdade ou ficção, é História, está escrito como tal, embora a História nem sempre é (foi) conforme a interpretamos. E na continuidade dos séculos, muita da História se mudou ( muda-se ainda) conforme os interesses do momento.
No meu caso de leitor de História - pobre de mim - busco conhecer o que se publicou sobre factos que podem ter muito de Lendas. Para completar o que vou conhecendo escrito, os meus olhos e a câmara fotográfica, companheira inseparável enquanto nos vão deixando, tentam registar, bem ou mal, a realidade de hoje.
Assumo que sinto uma certa emoção quando estou próximo de algo com muita História, mesmo que tenha Lendas à mistura. Mas sabemos que tudo teve um início, talvez nunca correctamente descrito, por ignorância, por desleixo ou por interesses. Principalmente no que se refere à Cidade do Porto, tento olhar em volta e perceber o que me rodeia. Descreverei como factos reais, mas não acreditem pois muito das narrativas que li estão cheias de "ses, mas, talvez, supõem-se".
Sei que vou repetir algumas descrições das imagens abaixo representadas, mas organizei este conjunto para poder dar uma pálida ideia do que podemos encontrar sobre o que ajudou a fazer a História desta velha Cidade.  
   
Na Sé Catedral, encontra-se do lado esquerdo do transepto, o altar de Nossa Senhora de Vandoma. Também conhecida por Nossa Senhora do Porto e Nossa Senhora do Porto da Eterna Salvação. É uma das invocações à Virgem Maria, representada no Brasão da Cidade.
A sua devoção tem origem num episódio por volta do ano 990 quando uma armada originária da Gasconha (Região Basca Francesa) comandada pelo nobre Português Munio Viegas, ajudou a expulsar os Mouros da Região do Porto.
Junto estava o Bispo da localidade de Vendôme, D. Nonego, que trouxe com ele uma cópia da imagem de Nossa Senhora que havia na Catedral. Após a expulsão dos Mouros, as muralhas da Cidade foram reconstruídas e numa das quatro portas da fortificação, que passou a denominar-se de Vandoma, foi colocada a Imagem trazida de França. Aí começou a devoção a Nossa Senhora de Vandoma que a população venerava levando a imagem em procissão, principalmente em épocas de epidemias. Foi consagrada Padroeira da Cidade do Porto.
Notas à parte: A sua devoção chegou ao Brasil centenas de anos mais tarde, como Nossa Senhora do Porto, tornando-se orago das Cidades de Andrelândia e Senhora do Porto, em Minas e Morretes no Paraná.
A Porta de Vandoma foi demolida em 1855 e próximo do local onde existiu (entrada da Rua Chã/Avenida da Ponte) pode ver-se numa reconstituição do séc. XX um cubelo e um pouco de pano muralhado. Estas muralhas foram edificadas pelos romanos no séc. III.
A imagem actual sofreu várias alterações nas cores das roupas, conforme os interesses políticos reinantes em cada época. 
Li que esta mesma imagem é a mesma que os Gascões trouxeram. Uma inverdade e se existiu deve ter desaparecido há muito. A imagem actual e que esteve no Arco de Vandoma é do séc. XIV. 

Quero agradecer ao meu amigo leitor Fernando Ribeiro os esclarecimentos que nos deixou em comentário há duas ou três postagens atrás, quando escrevi sobre uma imagem em pedra junto ao altar da Nossa Senhora da Silva, na Rua dos Caldeireiros. E também o link que me vai ser de muita utilidade.
Pois bem, a Nossa Senhora da Silva tem como história o achamento de uma imagem nos silvados junto à primitiva e futura Sé do Porto. No séc. XII. Há quem escreva que foram os pedreiros que faziam os alicerces. Há quem escreva que foi D. Mafalda, esposa do nosso primeiro, D. Afonso Henriques.
Até agora, não consegui encontrar nada que nos refira outra origem para o nome desta Senhora. 
Comparando as duas imagens que conheço da Senhora da Silva, não têm nada em comum. A da esquerda encontra-se no bonito altar voltado para a Rua dos Caldeireiros; informa-nos o Fernando Ribeiro, porque lhe foi dito durante uma visita à capela a qual tem a dimensão de um quarto de dormir,  que foi assim construído por não haver espaço para o colocar dentro.
A imagem é do séc.XVIII e já teve a acompanhá-la as imagens evocativas de S. João Baptista (lembrança do antigo Hospital) e S. Baldomero, francês do séc. VII, mártir cristão e padroeiro dos Ferreiros. 
A outra imagem está no transepto da Sé Catedral do lado direito. E vejam lá o que encontramos para ler:  Será uma imagem do séc. XIV/XV. Mas também pode ser a primitiva, porque é em pedra.
Certo é que está registado em 1623 pelo Bispo D. Rodrigo da Cunha o legado da Rainha D. Mafalda à Santa.
Uma nota: este Bispo inquisidor não deixou grandes recordações na população. No entanto foi um oposicionista aos governos dos Filipes espanhóis quando tentaram integrar Portugal em Espanha e um dos governantes de Portugal até à coroação de D. João IV a quem jurou fidelidade.

A Capela dos Alfaiates, assim conhecida, era da Irmandade dos oficiais desta arte e que se constituiu no séc. XVI num andar de uma casa pertença do Cabido, na Sé e desde então veneram Nossa Senhora de Agosto e São Bom Homem. É Monumento Nacional. Não sei se a Irmandade ainda existe.
Começou a ser erigida a Capela em meados daquele século, demorando muito anos a sua construção. Ao longo da vida recebeu vários melhoramentos, mas acabou por ser desmantelada em 1936 para a abertura do Terreiro da Sé e reconstruída no local actual em 1953, na bifurcação das Ruas do Sol e de S. Luís, entre a Praça da Batalha e o Convento de Santa Clara.
O retábulo composto por oito quadros pintados da vida da Virgem, segundo uns de 1565, segundo outros de 1590/1600 são do Pintor Francisco Correia, mas levantam-se dúvidas se serão todos da sua autoria. 
Foi restaurado em 1950 pelo Pintor Abel Moura.
Foi-me contada no local uma estória como verdadeira e corroborada por uma informação escrita, sobre a imagem em calcário de Nossa Senhora de Agosto, do séc. XVI. A imagem sofreu um restauro e os técnicos opinaram que o braço direito estava totalmente deteriorado. Então substituíram apenas a mão por uma em madeira, que está carunchenta, e colocaram-na presa ao manto, deformando a imagem. O braço e a mão originais estão em exposição, devidamente protegidos e bem de saúde, que registei na medida do possível. É a foto à direita, ao fundo da qual embora com fraca visibilidade se vê uma reprodução a preto e branco da imagem como era antes do restauro. 
A imagem de Santo Bom Homem, o outro patrono.
Presumo que é uma imagem do séc. XV
Em 1140 nasceu em Cremona, Itália, Homobono, que viria a ser o Padroeiro dos Alfaiates, Costureiras e Comerciantes de tecidos. Na vida profissional a justeza foi o seu lema, além de muito caritativo com os pobres. É-lhe atribuído um milagre de multiplicação dos pães. Faleceu em 13 de Novembro de 1197, subitamente enquanto assistia à missa.
Casou com uma mulher muito má, que após o milagre da multiplicação se converteu e passou a ser boazinha.

A Igreja de Nossa de Campanhã, da segunda década do séc. XVIII, arrasada e saqueada pelas tropas francesas durante as Invasões, mais precisamente em 1809, e muito danificada durante as lutas civis-liberais-fratricidas de 1832/34, possui uma imagem de Nossa Senhora a quem são atribuídos vários milagres. 
No entanto e primitivamente, tudo começa com a reconquista da região do Porto aos mouros. Estará ou não associada a outras lendas (depende do historiador) com a mesma reconquista, como a da Senhora da Batalha, cuja capela da sua evocação existiu no local junto ao actual Cine-Teatro S. João; Com Contumil (conto mil) e Rio Tinto - Tinto de cor vermelha pelo sangue derramado nessas lutas.
Certo é que Campanhã, ou Villa Campaniana é de origem antiquíssima da qual Rio Tinto fazia parte e Contumil lhe pertence.
No dia da batalha Mouros versus Cristãos em Contumil, foi achada uma imagem a quem o povo atribuiu a razão da vitória cristã. Mandou erguer uma ermida com o nome de Santa Maria de Azáres, passando mais tarde a chamar-se de Nossa Senhora da Entrega. Presume-se que terá sido esta a primeira Matriz.
A imagem da Senhora de Campanhã, do séc.XIV, esculpida em calcário, estofada e policromada, sofreu algumas alterações e restauros ao longo dos séculos, está envolvida em aparecimentos. Presumo que terá a ver com o primitivo aparecimento da tal imagem no dia da batalha em Contumil. Mas não tenho referencias, embora a estória venha do séc. X.
A devoção à Senhora de Campanhã era tal que a sua imagem só podia ser vista em dias especiais com luzes e toques de órgão. Saía em Procissão (pelas doenças, condições atmosféricas por exemplo) e tocá-la poderia ser perigoso ou milagroso.
Num dia de 1722, ano de grande seca, saiu a Procissão e a imagem caiu do andor em Bonjoia partindo a mão. Nesse local brotou água e povo construiu uma fonte e um cruzeiro. Que ainda hoje existem. Em 1967 foi inaugurada próximo do local uma capela.
Restaurou-se a imagem com uma mão em madeira.
Em apontamento diga-se que na Igreja existe uma linda imagem da Senhora do Rosário em pedra ançã do séc. XIV/XV. 
  
As relíquias de São Pantaleão chegaram à Cidade do Porto, trazidas pelos Arménios em meados séc. XV, fugidas à ocupação turca de Constantinópola em 1453 e deixadas em S. Pedro de Miragaia onde se passou a celebrar a sua memória.
Entre ordens reais de D. João II e depois de D. Manuel I para que se construísse um túmulo, foram as relíquias passadas para a Sé em 1499 por ordem do Bispo D. Diogo de Sousa. O Santo passou a ser Patrono da Cidade substituindo S. Vicente, até 1963.
A urna de prata foi roubada em 16 de Novembro de 1841. Ficaram as relíquias que se guardam no altar-mor da Sé. Mas um pequeno osso está na Igreja de S. Pedro de Miragaia dentro de um braço em prata. A Cabeça-Relicário foi para Lisboa para ser desenhada pela Rainha D. Amélia. Depois da implantação da República ficou no Palácio das Necessidades, donde passou para o Museu de Arte Antiga. Regressou ao Porto e foi colocada no Museu Nacional de Soares dos Reis, onde andou perdida até há pouco tempo. No seu interior encontraram-se vários fraguementos de madeira e tecidos e um pequeno osso do crânio. 
Um prezado leitor da minha postagem 47, teve a gentileza de colocar este comentário:

Gostaria de acrescentar, sendo nascido e educado em Constantinopla (Istanbul) que Sao Pantoleão é um santo do qual o nome é um épitéto, uma alcunha é a tradução de Aghios Pantéleimon que etimologicamente significa o homen que "elei" dá a piedade à todos em grego o tous pantas-eleei...era de Nicemedia da Bythinia hoje Izmit cidade turca cerca de 90 km à leste de Istanbul...Os arménios que troceram as reliquias eram Hay-Horom (ou seja armenios ortodoxos) dos que não se separaram da cristiandade depois do concil ecumenico de Khalkidon Calcedonia...alguns historicos sustentam que primeiro o feretro do santo em prata e ouro foi transportado de Nicomédia à Heraclia (uns 20 km à oeste de Nicomedia) que hoje se chama Hereke e sempre foi um porto de mercadorias e pesca e tb de exportação da seda e dos texteis Conhecidos no sec 18 e 19 como soie de Brousse (hoje Bursa) que rivalizavam os de Lyon e os de Milão, como dos tapetes orientais finos em seda com mais de 150000 nós por metro quadrado..Havia lá uma fabrica tb pertencente ao grupo industrial de Sümerbank que jánãoexiste...Há ca de duas decadas esta peq cidade foi arasada e praticamente desaparecida por um seismo..há alguns indicios que estes arménios byzantinos foram dos que tentaram se revoltar com os byzantinos gregos depois da queda de Constantinopla em 1453 em 29 de maio
A Igreja Ortodoxa venera o Santo Pantoleão em 27 de Julio(novocalendaristas) e 13 dias depois os do velho calendario juliano..A paroqui ortodoxa do Porto é dedicada à S Pantoleão
Lefteris Zygopoulos (Lisboa)
A
Muitas coisas nos acontecem quando percorremos caminhos. Há dias, entrei na Igreja de S. Lourenço, vulgarmente conhecida como dos Grilos e em conversa com um senhor, de quem infelizmente não anotei o nome, foi-me mostrada esta imagem. Decapitada, bem como o Menino, não se sabe desde quando. 
É uma imagem do séc. XV/XVI de Nossa Senhora do Ferro que se encontrava no antigo Recolhimento do Ferro, (o actual encontra-se no Codeçal desde o séc. XVIII) junto à desaparecida Porta da Muralha Primitiva - ou Românica - de S. Sebastião. Na altura conhecida como Porta do Ferro ou ainda da Sapataria, porque o culto a S. Sebastião é quinhentista. Por isso a Rua de S. Sebastião chamava-se Rua da Çapataria, documentada já em 1286. Teve outros nomes até chegar ao actual em 1570, mais coisa menos coisa. São outras estórias da história.

O que me levou à Igreja de S. Lourenço foi tentar descobrir a imagem de Santa Ana que esteve no Altar do Arco e Porta da Muralha Primitiva com o mesmo nome. Tinha lido que a imagem foi para a antiga Capela de Santo Isidro e após a sua demolição veio para esta Igreja, onde está exposta no Museu de Arte Sacra, localizado anexo à Igreja.
Foi-me indicada a imagem e o meu espanto foi grande ao ver que também foi vandalizada. Alguém roubou o menino...
Outra desilusão seguiu-se quando li na informação junto à imagem que esta é do séc. XVIII. Esperava uma imagem muito mais antiga, especialmente porque a Santa se venerava naquele local pelo menos desde o séc. XV. E ainda hoje se venera juntamente com S. Joaquim, seu marido. Na Rua de Santana.
Mas serviu também para conhecer a história da Santa, uma referencia para os Católicos.
Uma nota. Visitem esta Igreja e este Museu. Na minha opinião de leigo, há algumas raridades a par de muita história.

A escultura em madeira da imagem de Nossa Senhora da Vitória na Igreja do mesmo nome terá cerca de 120 anos de existência, mais ou menos. Porque os fieis não gostaram do rosto da Santa, foi retirado o primitivo e encomendado um novo. Não ao mesmo escultor. O autor foi o grande Soares dos Reis  que esculpiu um rosto lindíssimo, o de sua mãe. Era uma Santa que não podia ser Santa. Os fieis têm às vezes atitudes bem desagradáveis. Se seguissem esse caminho, hoje não haveria uma obra de que gostassem. Mas os fieis agora não mandam nada.

Tudo pode ter retórica. Explícita ou mentirosa a arte de bem falar, escrever, neste caso, também nos confunde. Quem diz sim, pode receber um não mas a retórica pode nem ser verdadeira. E/ou incompleta. É não porque é não e pronto.
Escreveram os antigos que a Igreja primitiva de S. Pedro de Miragaia ou no local da actual, foi a primeira Sé do Porto mandada construir por S. Basílio na primeira metade do nosso primeiro século. Então aí está um não, mas o porquê do não, não sei. 
Pela data presumo que este S. Basílio foi o Bispo de Braga (anos 60 a 95); nessa altura o bispado do Porto estava dependente de Braga. Mas se a eventual Sé foi mandada construir por ele na primeira metade do séc. I, nessa altura o Bispo era S. Pedro de Rates, o homem da Póvoa de Varzim (anos 45 a 60). 
Não sei ser retórico, mas alguém nos legou uma pedra, colocada no exterior da actual igreja do lado direito, com uma inscrição que foi recuperada. Verdade ou lenda, é história.

No corredor voltado para a Praça dos Leões do edifício da Reitoria da Universidade, uma verdade fóssil. Que sensação tocar numa coisa com 150 Mil Anos.
Uma nota: Merecem uma visita os Museus de História Natural, o de Mineralogia e a Exposição Egípcia, que julgo vai ficar permanente. Bem como o interior principalmente até onde nos é permitido e as escadas que conduzem à Sala da Reitoria.
 
História e muita é a dos Judeus do Porto. Embora se refiram muito as Judiarias de Miragaia e depois a da Vitória, o certo é que os Judeus foram parte integrante da população do Porto desde muito antes da fundação da nacionalidade. 
Esta placa colocada na parede do antigo Mosteiro de S. Bento da Vitória, do lado da Rua com o mesmo nome, simboliza a sua memória e a desculpa da Cidade, que embora reagindo ao Decreto de D. Manuel I, a igreja cumpriu com uma tenaz perseguição.
Uma das humilhações impostas aos Judeus foi o contributo para a construção da Igreja de Santa Maria da Vitória, ali bem próxima, no local onde existiu uma Sinagoga. Vitória, da Igreja sobre os Judeus.

Neste conjunto estão três símbolos de épocas bem distintas. A Casa da Câmara, ou dos 24, ou como era conhecida à época, Torre da Rolaçam, tem a sua origem no séc. XIV. Aí se reuniam os representantes dos 24 mesteres - ofícios - da Cidade e foi como que a sede do poder autárquico.
A primeira Câmara era em madeira e em 1350 foi acordado mandar-se construir uma em Arcos sobre a Muro Velho, ou seja a Muralha Românica. 
O edifício de 100 palmos de altura e a 7 metros da parede da Sé, localizado no cemitério (ou adro) da Igreja sofreu vários acidentes e por isso muitos restauros e até mudança de lugar (séc. XV). A edilidade entretanto reuniu em vários locais, incluindo no Convento de S. Domingos. 
No ir e vir, acabou por abandonar as instalações em 1784, mudando para uma parte do Colégio de S. Lourenço (Grilos) tendo arrendado parte do edifício. Mas mandou demolir até ao primeiro andar para aproveitar a pedra e barras de ferro para a construção da Cadeia. As barras pesavam 30 quintais, 2 arrobas e 20 arráteis (Livro das Vereações, 19 de Agosto de 1795).
Em 25 de Abril de 1875 houve um enorme incêndio destruindo o edifício. Na altura, no rés-do-chão funcionava uma fábrica de refinação de açúcar e no primeiro andar era a sede da Associação dos Latoeiros.
A partir daí as ruínas ficaram ao abandono quási um século. No local procederam-se a escavações arqueológicas que revelaram vários achados e provando a ocupação do Morro de Pena Ventosa nos séc. IV e III a.C.
Não sei ao certo, mas a recuperação das ruínas fizeram-se já nos anos 80 do século passado.

Para recordar a Casa da Câmara, ou dos 24, nos anos 90 foi edificado um "mamarracho" (é a minha opinião) sobre parte das ruínas da antiga, julgo que só respeitando apenas a altura.
O autor, arquitecto Fernando Távora referiu que era para termos uma ligação à Cidade, espraiando a vista. Claro que não espraiamos vista nenhuma pois apenas se deslumbra um pequeno território entre ameias para os lados dos Clérigos. O resto são cimos de telhados. Isto é se entrarmos no edifício e a porta interior estiver aberta para passarmos ao passadiço sobre as ruínas.

Ainda por cima resolveu castigar o nosso Porto, voltando-o para os vidros sujos e coloridos do "mamarracho". Era para melhor visão da Cidade para além do Porto, estátua.
Esta estátua esteve desde Agosto de 1819 no cimo dos Paços do Concelho, edifício alugado na Praça Nova - actual Praça da Liberdade - demolido para a abertura da Avenida dos Aliados.
Passou depois para o Largo Actor Dias - creio que se chama Jardim Arnaldo Gama - e posteriormente para o Palácio de Cristal, junto ao Castelo, no Bosque, se a memória não me falha.
Foi seu autor o Mestre Pedreiro João da Silva, de Pedrozo (Pedroso, Vila Nova de Gaia) e custou trezentos quarenta e três mil e duzentos réis, pagos em três prestações iguais, sendo uma delas adiantada.
Estória ou não, esta estátua pode ter sido criada para reabilitar a imagem d'O Porto, sobre a qual escreveu Garrett no Arco de Santana "...estamos junto à veneranda estátua do velho Porto que rodeado de assopradas tripas, olha, como do próprio trono, para sobre os domínios da sua juridisção..."
Essa Estátua que Garrett referiu era conhecida como Pedra do Porto e estava em 1293 na Rua das Eiras (Rua Chã actual). Passou para o cimo dos Açougues Reias na altura, nos Palhais (Rua de Pena Ventosa actual) algures entre essa época e 1503 onde tomou o nome de O Porto "...um mui mal trabalhado e até monstruoso homem todo feito de pedra..." que faz lembrar uma estátua tardo-romana, de aspecto guerreiro, talvez Marte, que ficaria bem associado à Cidade. O rasto dela perdeu-se quando o edifício dos Açougues foram demolidos no séc. XIX para a abertura do Largo de Penaventosa, hoje Largo de Pedro Vitorino.

Propositadamente não refiro as minhas fontes de leitura, que foram imensas. Algumas já as nomeei em outros escritos. É verdade que há cópias umas das outras, parágrafos inteiros. Outras induzem-nos em erro. Mas descobrem-se novos pensamentos e estórias.
Dessa amalgama de leituras retirei o que pude para completar as imagens. Com a intenção principal de conseguir que os meus leitores se entranhem um pouco em alguma História da minha Cidade. E das  suas Estórias e Lendas.

sábado, 9 de março de 2013

153 - À volta da Cadeia

Esta viagem é a continuação da descrita na última postagem. Francamente não gosto desta palavra mas ela existe em Português e mai'nada.
Os meus queridos amigos, amigas e visitantes, provàvelmente já repararam que umas vezes escrevo Aljube, outras Cadeia. Acontece, segundo as escrituras, que Aljube era uma prisão eclesiástica, e no Porto estava em S. Sebastião, no Bairro da Sé. Mas na realidade alguns foram Aljubes civis, mesmo esse eclesiástico da Sé. Cujo edifício ainda existe. No tempo da velha senhora (leia-se Salazarismo) também houve um no Largo 1º de Dezembro, onde está instalado (presumo que ainda esteja) o Comando da PSP. 
Por outro lado, raramente na Cidade se falava em Cadeia, mas sempre ou quási, em Aljube.
Posto isto, se perguntarem a um Portuense onde é a Cadeia ou o Aljube todos lhe saberão dizer onde  fica. Na Cordoaria.
Então prossiguemos.
 
Cheguei ao Largo ou Campo Mártires da Pátria, mas só para chatear o meu amigo J.Teixeira, o Presidente Bandalho, agora chama-se Largo Amor de Perdição. Claro que a rapaziada do Porto e não só nunca lhe vai chamar assim. Mas para o caso não interessa nada.
Ainda não tinha reparado neste Quiosque, cuja missão principal, deve ser o de ocupar um espaço para que os automóveis não encham totalmente o pequeno largo, coisa aliás que não interessa a ninguém, exceptuando os visitantes dos Monumentos que lhe estão próximos ou quem corre para as paragens dos autocarros. O Parque de Estacionamento ali a duas dúzias de metros não serve para grande coisa. Penso eu de que...

Os edifícios entre as Ruas de Trás e Caldeireiros estão muito limpos e restaurados. Onde esteve o Xavier cangalheiro é a Farmácia Pombeiro enquanto o edifício onde esta esteve anteriormente continua entaipado.

Talvez por causa da inauguração do "novo" Largo e da Estátua do Camilo - vai já a seguir - a Fonte de Neptuno ou mais concretamente da Porta do Olival, encostada à parede da Cadeia, foi limpa e a deitar água, coisa que nunca tinha visto. Mas de tal maneira foi o serviço feito que a água transborda. Não sei se foi sempre este o local da Fonte, cuja água "vinha por uns canos de Paranhos".
A parte superior da pequena coluna do lado direito já falta há muitos anos.
A mancha vermelha na foto não faço ideia porque aconteceu.

A repetição desta imagem (embora a foto tenha acabado de sair do revelador), tem uma razão. Em escritos anteriores, referi que a nova Praça de Lisboa - não sei se mantém o nome - tem plantadas no jardim superior, Oliveiras. Ora exactamente neste imenso espaço que incluía o actual Jardim da Cordoaria e ia até à Praça de Carlos Alberto de hoje era o Campo do Olival. Antiquíssimo, pois foi incluído na doação da Rainha D. Teresa (mãe de D. Afonso Henriques, o nosso primeiro) ao Bispo D. Hugo em 1120.
Embora começasse a ser urbanizado no séc. XIV, creio que foi um dos Filipes que o mandou destruir, por as oliveiras já estarem velhinhas. Já contei uma parte desta história. No local onde está este Jardim modernaço foi o Mercado do Anjo.
Portanto, as Oliveiras de agora são uma bela homenagem na minha opinião. Mas só quem subir à Torre dos Clérigos pode ver bem o Jardim, pois continua fechado. Talvez haja uma razão para isso.
 
Claro que quem passa junto à Torre dos Clérigos, tem de parar obrigatòriamente para admirar a Velha Senhora.
Seja de que ângulo for. Aquele edifício à entrada da Rua de Trás é que está a estragar tudo. Não há uma mão caridosa que resolva esse contraste tão feio ?

Uma paragem é obrigatória no Café do Olival. Desta vez não foi para petiscar, mas só para matar a sêde. Já referi que a parede que dá para o largo tem pedras da antiga Muralha Fernandina. Mas nos lavabos masculinos também se podem ver mais pedras, religiosamente conservadas.
No interior existem duas enormes reproduções fotográficas. Uma delas retrata o local provàvelmente no  princípio do séc. XX. Pelo menos um automóvel já circulava por estas bandas, sabendo-se que o primeiro foi importado em 1895 para Lisboa pelo 4º Conde de Avilez que logo na sua primeira viagem até Santiago do Cacém atropelou um burro.

Uma visita obrigatória à nova estátua de Camilo, inaugurada em meados do último Dezembro, comemorando os 150 anos da publicação do Amor de Perdição. Está em frente à Cadeia colocada sobre a direita. O escultor foi o Almadense Francisco Simões, um artista que reproduz figura femininas cheias de formas. Quem sabe se não foi a Catarina Furtado, na série Ferreirinha de há uma dezena de anos que o inspirou.
Sobre o Camilo todos sabemos quem foi e na realidade só podia estar bem acompanhado.

Mais uma visita à Cadeia, que como tenho escrito alberga o Centro Português de Fotografia. Neste momento está uma exposição temporária sobre a Catalunha. Um dica para quem não saiba onde fica esta extraordinária região, é no Nordeste de Espanha. A capital é Barcelona. Lògicamente que esta informação é para outros Mundos. Um dia hei-de começar a traduzir estas letrinhas para Inglês e Francês. 
Para além das exposições, esta nas antigas enxovias, é sempre de admirar o extraordinário edifício. Pelo menos, nunca me canso de por ele andar.
Não encontro referências sobre esta bela fonte. Do lado direito não terá existido uma imagem ?

As colunas da Sala do Parlatório.

Repito sempre esta imagem, só porque me comovo olhando-a.

A Porta de entrada da Sala do Tribunal, agora dedicada a Aurélio dos Reis, o primeiro cineasta português.

Uma outra repetição. Não sei a razão e ninguém me sabe explicar, porque tem de estar esta foto invertida.

Pormenores do interior. Impressionantes estas pedras.
Fico por aqui e na expectativa que os meus amigos visitem esta parte da Cidade. E estes monumentos, as exposições no Centro de Fotografia, o Jardim do outro lado, as Igrejas, a Universidade, os Museus, a Lello. Tudo junto, é para um dia bem medido. Mas lá iremos. 

quarta-feira, 6 de março de 2013

152 - Da Adega do Olho à Cadeia

Este passeio, contra o meu hábito, foi feito de baixo para cima o que quer dizer, sempre a subir. Pela Rua dos Caldeireiros. Mas faz-se bem, desde que seja com muitas calmas e paragens. E motivos não faltaram mas só para lembrar coisas antigas, pois esta Rua antiquíssima está fora dos roteiros turísticos. 
O Mapa do itinerário e a localização, sempre conveniente para os amigos que nos visitam. Na ponta centro-direita, refere-se onde começou a "aventura".
 
Pois foi na Adega do Olho, após um almoço simples mas abundante e económico. De Adega ou Tasca já não tem nada, é um restaurante pequeno e acolhedor, com uma ementa de dois pratos. Diz quem sabe, que as Tripas à Quinta-feira são um espectáculo.
Fica numa reentrância da antiga Travessa da Rua das Flores, hoje chamada de Afonso Martins Alho, esse mesmo, o do comerciante e embaixador que deu nome ao provérbio "Fino como um Alho".
Recordação: entrei na Adega a primeira vez com os Viscondes - rapaziada da minha Rua do Visconde de Setúbal, lá no Marquês e seríamos uns 10 - na noite de S. João de 1960. E para tomar uma coca-cola da CUF. Juro que nunca mais provei essa porcaria.
Então, vamos à vida.   

Estava a precisar de mercadoria e logo ali a dois passos, na esquina com a Rua das Flores abasteci-me na antiga mercearia (esqueço sempre o seu nome) com uma boa garrafeira e a preços muito bons.Um dos artigos que costumo comprar são os velhos rebuçados S. Brás, de eucalipto e mentol.
  
A Rua dos Caldeireiros começa agora na Rua das Flores e só tem 325 metros até à Cadeia. Foi itinerário romano (de quem vinha do Norte e passava por S. Mamede), atravessava a ponte de pedra que cruzava o Rio da Vila, agora encanado, na actual Mouzinho da Silveira e seguia para as Ruas do Souto e Bainharia. (Itinerário das Vias Romanas de Portugal - http://viasromanas.planetaclix.pt/ ).
Quem sobe, à esquerda, (na foto à direita) ainda encontra os vestígios do Hospital Roque Amador ou Rocamador/D. Lopo de Almeida, fundado pela Misericórdia no séc. XVI e que deixou de funcionar após a abertura do Hospital de Santo António. 
Chamou-se Rua do Souto - a continuação da Rua que vem da Sé -, da Laje ou Lajens ou ainda Lágea segundo escritos de séc. XVI e que seria o troço superior da rua; e Ferraria de Cima. Tomou o nome actual em ou até antes de 1780, embora se encontrem escritos de 1616 com a designação de Rua da Caldeiraria. (in Toponímia da Cidade do Porto, Câmara Municipal).

Nesta Rua, principalmente na sua parte inicial e por umas dezenas de metros existiram várias oficinas de caldeireiros que trabalhavam e fabricavam  variadíssimas peças como alambiques, caldeiras, panelas para doces (na altura das Festas da Páscoa e Natal eram as mais fabricadas principalmente para as grandes confeitarias), fogões, cilindros, louças, etc. Não só em cobre como em folha flandres e outro material ferroso.

O barulho era ensurdecedor, mas dava-me um prazer muito grande passar por estas oficinas onde as peças eram batidas às portas e ficar a olhar.

Hoje não existe nenhuma. A última fechou há pouco tempo, onde um dono "carola" já de uma certa idade, mantinha-a aberta só para não morrer de saudade.
Fala-se e escreve-se muito sobre as belas e tradicionais Varandas em Ferro da Rua das Flores. Pois eu afirmo que esta Rua tem varandas lindíssimas que nada ficam a dever-lhes. E muitas frontarias mostram azulejos de bom gosto. 

A antiga Adega Vila Meã do velho (salvo seja) Armando, depois de várias transformações está um bonito restaurante. Com a sua gentileza habitual, deixou-me entrar para olhar a casa e fotografar. Fica para depois o resto da história. Passavam das três horas da tarde e ainda tinha comensais. Bom sinal.  

Cá estamos de volta à Capela de Nossa Senhora da Silva. Curiosamente nunca tinha reparado na imagem que se encontra na esquina do prédio, que eu suponho ter albergado o antigo Hospital de S. João Baptista. Não sei nem li nada sobre o que representa. 
Como curiosidade - estamos sempre a aprender e ainda bem - a confraria de Nossa Senhora da Silva foi inicialmente instituída em 1593 pelos artífices ferreiros, ferradores e anzoleiros (fabricantes de anzóis ?) que tinham as suas oficinas na Ferraria de Baixo, hoje Rua Comércio do Porto. Só seis anos mais tarde, os da Ferraria de Cima se reuniram para a elaboração do compromisso que tomaram também sob a protecção da Senhora da Silva. Os estatutos da Confraria foram reformados em 1682.
Também o Hospital de S. João Baptista, que funcionou primitivamente em Cimo de Vila, foi fundido em 1685 com o de Santa Catarina, que funcionava junto da Igreja de S. Nicolau e administrado pelos da Ferraria de Baixo, passou para este local, mais propriamente na Rua de Trás numa casa que tinha comunicação com a sede da Confraria, aqui nos Caldeireiros. (Respigado do livro Porto, Histórias e Memórias, de Germano Silva).

Na rua funcionaram para além de algumas Tascas ou Adegas, casas comerciais de certa importância. Uma delas era a Casa das Lâmpadas, desactivada talvez há uns 5 anos. Também a Casa das Borrachas e o Xavier cangalheiro, ao qual aliou o ramo da ortopedia. Por isso a brincadeira dos nossos tempos de jovem, quando nos sentíamos mal de alguma coisa, vai ao Xavier que ele resolve. (recuperar dos mortos para vender aos vivos...) 
Uma panorâmica a  meio da Rua.

Outra recordação. A Casa Francisco de Carvalho & Irmão, que ainda existe. Fornecedor de paramentos e artigos religiosos, tinha - não sei se ainda têm - uma sirgaria onde muitas vezes ía encomendar e comprar, para a gráfica onde trabalhava, fio em seda aplicado como pendurantes de calendários, convites de luxo, etc. Mantém o mesmo aspecto de há 50 anos. 

Parte dos Caldeireiros a Rua da Vitória. (Olá camaradas Teixeiras, estou na vossa zona da juventude).  Há cerca de 2 ou 3 anos passei por aqui e chamou-me a atenção um edifício que estava a ser restaurado. Disse-me na altura um senhor que presumi ser o arquitecto responsável pela obra que  seria uma unidade hoteleira. Voltei agora a entrar e conversa daqui, conversa dali com uma senhora que julgo ser a recepcionista, acabei por descobrir que é as traseiras do Palacete dos Maias cuja fachada está voltada para a Rua das Flores.
Do varandim uma vista meio encoberta do Morro da Sé.
Este palacete, que segundo informação está quási recuperado interiormente, incluindo os Jardins, mas falta a fachada da Rua das Flores, é um edifício do séc. XVI mandado construir pelo fidalgo Martim Ferraz, ( daí também ser conhecido por Ferrazes, ou Ferrazes Bravo) descente de uma família nobre de Entre Douro e Minho. Remodelado ao longo dos séculos, teve uma capela riscada por Nicolau Nasoni, revestida a talha dourada, mais tarde recolocada na capela da Quinta do Vale Abraão em Lamego, pertença dos mesmos proprietários.
No séc. XIX foi vendido a Domingos de Oliveira Maia, director do Banco Comercial do Porto. Uma curiosidade, este senhor fez parte da comissão para o levantamento do Monumento a D. Pedro V e mandou construir as casas da Rua do Passeio Alegre. (Quais não sei). 

Outro armador antigo ainda funciona. No meu tempo da juventude e não sei até quando, no edifício funcionava um "aluguer de quartos". A sala de espera era nas escadas que levava ao primeiro andar e para os mais íntimos podia-se tomar uma cerveja na cozinha. Aqui levei um susto da polícia, que ficou com história famosa. Mas isso para o caso não interessa nada.

Mais uma perspectiva da Rua.

Entramos na parte final da Rua e à esquerda a íngreme Rua do Ferraz que vai dar à Rua das Flores.

Pormenor de um altar, no correr das últimas casas do lado esquerdo.

E estamos no fim da Rua, no Largo Mártires da Pátria, com o imponente edifício da antiga Cadeia à vista. Não percam, caros amigos, uma visita a este edifício. Além de exposições temporárias tem em permanência o Museu da Fotografia. E claro, o próprio edifício em si. 
Até Breve.