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domingo, 18 de março de 2012

120 - Do Monte Cativo às Águas Férreas

Este escrito é dedicado principalmente aos meus amigos e conterrâneos tripeiros e especialmente aos que desta zona têm mais recordações e me vão escrevendo. Alguns deles, por esse mundo fora têm a sua vida.
O perímetro Marquês, Antero de Quental, Serpa Pinto pela Constituição, quer enfiando para Sul entre S. Brás e Monte Cativo, está todo alterado de há uns anos a esta parte com novas ruas e zonas habitacionais.
Então para esses meus amigos um passeio para recordar os nossos tempos, desde o Monte Cativo até às Águas Férreas. Numa desordem de dias e caminhos.
Para começo uma pequena orientação a partir do Google Earth, recente, desde o alto do Monte Cativo até à Lapa e Boavista. Ponto de referência as Águas Férreas e a Tutoria.

Enfiamos pela Rua Damião de Góis (a nova ligação que une as Ruas de João Pedro Ribeiro e Egas Moniz) e à esquerda entramos na Rua Alves Redol.

Um olhar sobre a Cidade do Porto, onde o mar à direita se avista.

O alto das novas zonas residenciais

Sem qualquer referência sobre este casarão, mas que presumo ser o da antiga sede do Clube de Caçadores do Porto, está agora o Clube (como se tratasse de um antigo e tradicional clube inglês, na minha opinião, claro...) do Prof. Hernâni Gonçalves, o Bitaites, que alberga um campo para actividades desportivas e seus complementos médicos, educacionais, etc. e tal. Incluindo restaurante, salão para festas e recepções. Para nós, os da zona, já estamos no velho Monte Cativo.

Monte Cativo que é topónimo muito antigo. Era um dos limites do couto do Porto, mencionados na carta da rainha D. Teresa, de 1120; «...até ao monte que chamam Pé de Mula, assim pelo Monte Cativis, assim como divide Cedofeita com Germinade...». Pelo menos até ao século XVII manteve esta forma alatinada de Monte Cativis com que figura nos registos paroquiais, designadamente num assento de 1682. Assim refere Eugénio Andreas de Cunha e Freitas (Nasceu em Lisboa em 1912. Morreu em Vila do Conde em 2000) que parece ter sido o único historiador da Cidade, pois todos a ele vão beber os seus escritos. Eu só copio o que os historiadores de agora escrevem baseado no que ele escreveu. Logo, eu acredito.

Segundo a Enciclopédia e Dicionários da Porto Editora, Germinade vem do latim Germinati e tem a variante Germalde. Se se compreende bem, Germalde é hoje o Monte da Lapa, à nossa esquerda.
Agora Pé de Mula, não consegui encontrar. Também não fui ao Arquivo Histórico da Cidade vasculhar.

Ali próximo entroncamos com a Rua do Monte Cativo que ainda vem da Rua da Constituição mas é pelas Escadas do Monte que nos deslocamos. Com uma vista por sobre a antiga Tutoria até à Rua da Boavista.
No final das Escadas do Monte Cativo o velho Fontanário

No final das Escadas encontramos a velha "Tituria" para onde os nossos Pais nos ameaçavam mandar se nos portássemos mal. Infelizmente não encontrei uma única referência ao edifício nem ao belo chafariz que está no largo interior. E muito menos quanto à instituição primitiva. Presumo que agora funciona um organismo ligado à Câmara Municipal mas ao certo não sei. Sei que passei ali algum tempo, fui ao seu interior onde encontrei portas abertas, mas não vi viva alma. Não adiantou chamar, assobiar, fazer barulho. Ninguém. Tenho testemunhas da minha presença.

As Tutorias da Infância foram criadas em 1911 por Alberto de Sousa Costa, bacharel da Universidade de Coimbra mas é o padre António Oliveira que a convite de Afonso Costa ( o mata-frades, Deputado eleito pelo Porto em 1900, na altura chamado um dos Deputados da Peste, e ele próprio um Exposto da Roda na Santa Casa da Misericórdia de Seia, sua terra Natal - retirado da sua biografia - )  elabora a lei publicada por Decreto de 27 de Maio de 1911.
No entanto já em 1902 existia uma Casa da Correcção do Porto, mas no Convento de Santa Clara em Vila do Conde.
Presumo que a ex-Tutoria está nos terrenos da antiga Quinta das Águas Férreas. Na foto um pormenor da antiga quinta com o edifício da Tutoria à direita, já antes mostrada aquando do meu escrito sobre o Monte de Germalde, mais recentemente conhecido como Monte da Lapa.

Esta Quinta foi pertença de José de Sousa e Melo, assim chamada por ter lá existido uma fonte de água medicinal que deu uma origem a umas termas. Ocupava uma vasta área muita embelezada, desde a Igreja da Lapa (nas nossas costas, mais ou menos, quando obtive a fotografia) até à Carvalhosa. Este senhor foi o terceiro Visconde de Veiros - localidade para os lados de Leiria, salvo erro - e que para além de tesoureiro-geral da Alfândega do Porto, Vice-provedor da Companhia Geral de Agricultura e Vinhas do Alto Douro, Administrador dos Correios do Porto, Inspector das Obras do Edifício da Academia da Marinha e Comércio, Vereador da Câmara Municipal do Porto, Provedor da Santa Casa da Misericórdia, foi oficial coronel do Exército de D. Pedro IV aquando das Lutas Liberais, tendo morrido durante uma batalha contra as tropas de D. Miguel.
Se estou a escrever errado, que me perdoem. Toda esta mistura da biografia do homem apanhei-a em sítios tão dispares como os da Cronologia dos Viscondes de Portugal, na Biografia de José de Sousa e Melo, leitura inscrita na placa de toponímia no local da Rua com o nome de Melo (que não corresponde em nada à toponímia descrita no site da Câmara), e um escrito de Germano Silva. E ainda n'As Quintas mais importantes de Cedofeita em que esta vem em segundo lugar. O resumo, achando-o credível, baseei-o nas datas de nascença e morte.

Vindo da Lapa e entrando nos terrenos da antiga Quinta, à direita, um Infantário fechado. Mas em bom estado. Presumo que foi o primeiro aqui construído pela Junta de Freguesia de Cedofeita, mas talvez por se tornar pequeno foi construído um novo, que está logo a seguir e incluído num núcleo residencial.

Numa das paredes, uma homenagem obituária a um amigo desaparecido na flor da idade. Não sei a razão da sua morte, nem interessa. Mas a homenagem lembra aos vivos que a vida é curta e devemos aproveitá-la como um bem que não se repete.

Nos terrenos da antiga Quinta, um olhar para o Monte da Lapa, com a sua Igreja construída de forma que fosse visível de qualquer local da Cidade.

Atravessada a linha do Metro, encontramos o Conjunto Habitacional da Bouça. Chamou-se este local de Quinta de Santo Ovídio e depois da Boavista. Lá estou eu a tirar deduções, porque a Quinta dos Viscondes de Beire em 1865 ocupava uma vastíssima área que ia desde a Praça da República (antigo Campo de Santo Ovídio) até à Rua de Cedofeita. Pertenceu ao desembargador João Carneiro de Morais que nela mandou construir uma capela dedicada a S. Bento e Santo Ovídio. Templo há muito desaparecido. Os herdeiros venderam a Quinta, na segunda metade do século XVIII, a Manuel de Figueirôa, contador da Fazenda Real e mais umas tantas coisas (A Travessa da Figueiroa, logo ali partindo da Rua da Boavista até Cedofeita, existe provàvelmente em memória deste fidalgo. Mas porquê da Figueiroa e não do Figueiroa ?).
A Quinta passou do Figueiroa para o visconde de Beire e pelo casamento de Maria Balbina Pamplona Carneiro Rangel Veloso Barreto Figueiredo com o quarto conde de Resende, António Benedito de Castro, entrou na posse desta família.
Meus amigos, fiquei confuso com o escrito atrás, da autoria do nosso querido Germano Silva. Não é que seja importante, mas o sr. Figueiroa era - ou foi - o 1º Visconde de Beire. E a D. Balbina, sua filha. Que realmente casou com o António Benedito. Um erro de tipografia é normal.
Os condes de Resende foram os sogros de Eça de Queiroz. O escritor casou no dia 10 de Fevereiro de 1886 na capela da Quinta com D. Emília de Castro Pamplona (in Cedofeita por Germano Silva).
Não vale a pena reproduzir tudo o que o insigne historiador e jornalista escreveu sobre que D. Emília era filha dos condes, etc e tal. Está-se mesmo a ver que se foram sogros do Eça, logo a D. Emília com quem casou não poderia ser filha de outras gentes. Mas os historiadores são assim mesmo, têm de contar tudinho e direitinho, não vá a gentinha não os entender à primeira.).

Este Bairro - que li situar-se na Quinta de Santo António...- começou a ser projectado logo a seguir à revolução de Abril mas só foi completado 30 anos depois. As primeiras casas foram entregues em 1976, mas muitos problemas foram surgindo com os antigos residentes desta zona (moradores em ilhas e barracas, queriam novas casas mas de borla) e a integração de novos residentes vindos de outros locais da cidade e não só, tiveram ao longo do processo a orientação correcta do ex.presidente da Câmara do Porto Nuno Cardoso para a solução dos problemas. Em 2006 foi finalmente dado como concluído. A obra é de Siza Vieira e toda a classe de arquitectos e não só, lhe tece enormes louvores. E tantas são as loas que até me perdi.
Independentemente da obra em si, que não tenho nem um pouquinho de capacidade para analisar, acho este conjunto habitacional mais parecido com uma cadeia, tal a exiguidade das portas e janelas, a divisão de entradas com barras de ferro, os caminhos estreitos, os pátios entre os quatro edifícios. Quanto aos espaços verdes tão propagandeados, resumem-se a um pouco de relva (?) e a meia dúzia de pequenas (até ver, pelo menos) árvores. Estas fotos têm menos de 15 dias. 
Em frente ao Bairro, na agora pequena Rua das Águas Férreas, encontramos a Casa da Pedra, propriedade particular, onde residiu o escritor Oliveira Martins enquanto dirigiu a construção do Caminho de Ferro da Póvoa e Famalicão.  Fez parte da Geração de 70, mais tarde "Os Vencidos da Vida". A Questão Coimbrã foi o tema. Aqui se reunia o Grupo dos 5: Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Oliveira Martins e Antero de Quental. Este tinha na casa um quarto onde pernoitava muitas vezes e onde tentou o suicídio pela primeira vez tendo sido impedido pelo inquilino da casa. É o que está na história. Agora não sei se o Ramalho e o Antero, que andaram à espadeirada na Arca D'Água por discordarem entre si das ideias do Castilho, se encontraram por ali muitas vezes. Mas para o caso não interessa nada.

Na esquina da casa encontra-se ainda um antigo marco toponímico.
Agora uma pequena descrição para os meus amigos conterrâneos: A Rua das Águas Férreas vai dar à nova Rua do Melo, que por sua vez encontra-se com a Rua de Burgães, toponímia antiquíssima. Seria um lugar ao Pé do Monte ( Monte de Germalde-Lapa ? Monte Cativo ?) já referido em 1715 pela Colegiada de Cedofeita.

Entronca também na ainda existente Rua de Salgueiros, que é hoje uma pequena parte do que foi outrora e cuja continuação é a nova Rua de Cervantes. Que um dos meus amigos comentou, ser para ele sempre a Rua de Salgueiros. E eu concordo. Não entendo porque se mudam o nome às ruas ou a parte delas só para dar novos nomes. Neste caso, embora nada esteja escrito na toponímia da Cidade, será para dar graxa a Espanha colocando o nome do pai do D. Quixote e do Sancho Pança numa artéria ? E mai'nada.
Pensando ainda nos meus amigos conterrâneos,
uma nova imagem do Google vista agora no sentido contrário.
Aquele campo de sintético a Norte, entre o Monte Cativo e a Rua de Salgueiros
é o campo de Jogos da Escola do Hernâni Gonçalves, O Bitaites.