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domingo, 18 de julho de 2010

28 - Ruas históricas do meu Porto - I - Ruas Chã e Cimo de Vila

Esta é a primeira parte de um roteiro que fez parte do burgo medieval e profundamente ligado à História do Porto. Não é frequentado por turistas estrangeiros, mas era e ainda não vão muitos anos, visitado frequentemente por gentes dos arrabaldes do Porto.
Mas vamos por partes e comecemos pelo princípio, embora estas ruas não tenham nem princípio nem fim.
Quem vem da Sé e atravessando a antiga Avenida da Ponte, agora D. Afonso Henriques, pelo lado esquerdo, entra na Rua Chã. Chamada de Chã das Eiras já em 1293. A origem do nome Chã, deveu-se ao seu traçado plano e pavimentado, grande e espaçoso. Posteriormente passaram a chamar-lhe Viela da Cadeia. Julgo que terá sido no séc. XVIII. Já aqui falei da Cadeia que ficava em S. Sebastião ? Casa da Câmara ? Era quási em frente. Voltarei de novo a esse tema, um dia destes. Mais não sei mais porque não descobri.
Digamos que só durante a minha Juventude descobri esta Zona. Até essa atura era-me interdita pelo meu pai. Mas continuando. Entrando na rua, à esquerda, num lindo prédio recentemente restaurado derivado a um incêndio, (presumo ter pertencido a gente da "alta" pois tem lá um brasão bem conservado) localizava-se o Café Derby, que juntamente com o Café Royal, quási em frente, era local de poiso das meninas que se faziam à vida e que os nossos olhos de "meninos" comiam com gulodice. Era um dos meus poisos para tomar o café fim de tarde, antes de seguir para a Universidade Ó Martins, ali bem próximo, onde estudei à noite.
No mesmo correr um pouco à frente, a Casa Caius, editores de postais ilustrados e centro de vendas de instrumentos musicais. Quando lá ía buscar "originais" para reproduzir em postais, deliciava-me com os músicos a experimentar (?) os instrumentos. (Alô Jorge Felix. Lembras-te desta Casa ?)
A Rua entope num largo, o da Rua Chã, com duas ou três árvores que o refrescam em dias de calor. Para a esquerda é a Rua do Loureiro. Depois lá iremos.
Para a direita, vamos encontrar a Rua do Cativo - fica para outros apontamentos futuros - e para a esquerda lá está a famosa Rua do Cimo de Vila.
Mesmo na esquina das duas ruas está lá a velha fonte de 3 bicas, sobre a qual não há maneira de encontrar referencias. Logo a seguir o urinol também secular (?), hoje uma coisa fétida.
Neste local existiu uma casa apalaçada, o Paço da Marquesa (talvez por isso este largo tenha tido essa toponímia, é dedução minha) coisa fina, que vem desde o séc. XIV, foi residência de alguém importante da Igreja, mas foi mudando de donos e destruído (ou roubado ?) todo o seu recheio que parece ter sido valiosíssimo. Todo o prédio sofreu transformações, mas não há referencias.
Creio, mas não afirmo, que me lembro da Pensão Marquesa que aqui existiu. Velhas memórias... O resto que sobrou do edifício, azulejos valiosos, puf, foram-se.
Seguindo o mesmo correr, encontramos a "velha" Casa Crocodilo. O maior comerciante de solas e cabedais da cidade. Import-Export dos longínquos anos 50/60. Chegou a vender bolas de desporto e equipamentos logo a seguir ao 25 de Abril. Quantas vezes fiz companhia ao meu compadre e afilhado Russel Trindade, que Deus tenha, quando à segunda-feira vinha de Lordelo, Paredes, às compras.
Claro que depois íamos para os copos. Mas isso é outro negócio...
Famoso nesta Casa, o crocodilo de 5 metros lá dependurado do tecto. Segundo a lenda, comprado a uma Senhora que veio do Brasil e o trouxe de lá. E moradora na Avenida da Boavista. Quem sabe, não terá sido à Senhora Viscondessa de Lobão.
Para o caso não interessa nada e prossigamos.

Uma vista de Norte para Sul, da Rua Cimo de Vila. Mas ainda não escrevi sobre a sua origem. O nome advém-lhe por ser o ponto mais alto no extremo da cidade. Recordemos que estava no interior das Muralhas Fernandinas (ou Cerca Medieval). Mas se bem compreendi nas minhas pesquisas, também se terá chamado Travessa dos Estravados. Li sobre um toponímico (será este o nome de alguém estudioso sobre a biografia das ruas ?) que disse "deve-se corrigir Cimo de Vila, porque não é nada..."). Bom, não se imagina a mudança de nome desta artéria com séculos de vida.
Do lado direito de quem sobe, está a Igreja do Terço, iniciada a sua construção em 1759. Entrei nela quando era um menino talvez dos meus 8 a 10 anos. Como quási todas as Igrejas de Irmandades está fechada.
Mas a Rua de Cimo de Vila era um oásis para os apreciadores duma boa "pinga". Restaurantes populares e Tascas não faltavam. E também o importador de tabacos, onde fui algumas vezes comprar as cigarrilhas que o meu primeiro patrão Armando Monteiro (Jarmelo de nome artístico) fumava. Que cheirinho aquelas coisas deitavam...
E que saudades d'O Museu dos Presuntos, do velho Louro, destacando-se de todas as outras tascas. Com a sua figura imponente tipo Nero Wolfe, ( no mínimo eu dar-lhe-ia 150 Kg. e 1,80 metro de altura por 2 metros de largura, embora nunca o tenha visto em pé) sentado na mesinha da caixa registadora, sem fálas mas deitando olhares sobre a clientela, o silêncio dentro daquela casa era impressionante. Entravas pela porta de vai e vem num local escuro, pedias, comias e bebias, pagavas na caixa, e saías calmamente pela porta de vem e vai. Das 8 horas à meia noite. Não sei se fechava ao domingo. Não se ouvia uma palavra do Louro, como não sei se era nome ou apelido devido à sua terra natal, ali para os lados de Famalicão.
A quantidade de presuntos dependurados do tecto era tal, que nos admirávamos como se aguentavam. Tanto o tecto como os presuntos A gordura que deles caía era aproveitada no pão da sande, que abríamos por baixo e aparávamos, para lhe dar mais paladar. Também levávamos com ela na cabeça e na roupa.
Na sala do primeiro andar, amesentei-me algumas vezes para comer aquele bife. Principalmente quando a mãe dava uns trocos e autorização para almoçar "fóra" ao sábado.
Hoje é uma tasca "limpinha", com uma dúzia de presuntos (espanhóis ?) pendurados, e já não se ouve chiar a torneira dos pipos de vinho despejádo para os copos.
(Estas estórias terão continuação, mais tarde ou mais cedo, num dia destes. A minha Cidade também merece ser conhecida pelas vielas onde o turista não vai mas nós ainda vamos)