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domingo, 3 de outubro de 2010

45 - O Quarteirão das Carmelitas-Santa Teresa

Esta é a chamada Volta ao Quarteirão, assim designado um passeio pequeno entre amigos para passar o tempo e dar umas de palheta. Quer dizer, conversar de tudo e de nada. Antigamente também era para evitar ouvidos indiscretos ou mostrar a fatiota nova.
Este quarteirão de hoje tem séculos de história - nesta minha cidade o tempo e o espaço é contado e medido em séculos -. Imaginem um quadrado mais ou menos com 200 metros de lado e acompanhem-me começando pelo lado esquerdo.Depois de subir a Rua dos Clérigos (tema para futuros passeios) encostámo-nos às escadas da Igreja e preparamos nova subida, agora pela Rua das Carmelitas. Confusão na minha cabeça: porque se chama "das" quando o Convento (hoje Quartel das motorizadas da GNR) ali a 300 m é "dos" (Carmelitas). Simples. Quem não sabe é como quem não vê.
Mas antes da explicação, uma foto comparativa com mais de 120 anos, presumo, do que foi a Rua das Carmelitas. Reparem naquelas pequenas torres no "passeio" da Igreja dos Clérigos. Como houve várias alterações às escadas, provàvelmente acrescentaram-lhes mais alguma coisita. Ou será defeito do (s) fotógrafo (s).
Rua das Carmelitas e à direita Rua de Cândido dos Reis
Pois mais ou menos por aqui existiu um convento das Carmelitas, com a denominação (será a palavra correcta ?) de S. José e Santa Teresa de (das ?) Carmelitas Descalças. Construído entre 1702 e 1732 e extinto em 1833, com a fuga das monjas - apoiantes de D. Miguel - aquando da vitória de D. Pedro IV e do Porto, nas lutas liberais. O edifício foi aproveitado para vários fins: Escola Normal, Obras Públicas, Correios, Cavalariças da Mala Posta e até de um barracão para teatro.
Não há qualquer registo escrito significativo, nem desenhos, fotos (?) sobre este Convento. Demoliu-se e pronto. Coisas à moda do Porto. Outro pormenor da Rua das Carmelitas. Por vezes torna-se um pouco confuso olhar as fotos de uma rua antiga. Comparada com a anterior, nada se parece com ela. Talvez fotografada com anos de diferença. Mas tudo tem a sua explicação. Sabe-se, pela leitura de um relatório camarário, que a Câmara do Porto solicitara, no ano de 1838, autorização à rainha D. Maria I para proceder ao seu alinhamento. Isto significa que a artéria sofreu algumas alterações.
À época em que foi solicitado o referido alinhamento, a rua era bastante mais estreita do que é actualmente, subia em curva por entre duas altas paredes, uma das quais delimitava a cerca do Convento. Anteriormente talvez se tenha chamado do Calvário Velho, nome deste local e onde foi construído o Convento. Mas em 1839, chamou-se Rua do Anjo, mas voltou a Carmelitas, não sei quando.
Do "passeio" da Igreja dos Clérigos, olhamos para a esquerda e temos a "falecida" Praça de Lisboa. Ao fundo o edifício da Reitoria da Universidade do Porto. Por ordem de datas, da frente para trás, já foi Clérigos Shoping de má memória, parque de estacionamento de camionetas - olá pessoal dos velhos tempos, lembram-se? era aqui onde descíamos e subíamos das ditas camionetas que nos traziam e levavam, de e para os Quartéis do sul ? -, Mercado (do Anjo, mas lá chegaremos), Casa de Recolhimento de Senhoras e órfãs. E até já teve Capela. Também lá iremos. Porque estou a propor uma Volta ao Quarteirão, lembram-se ?
No início da subida da Rua das Carmelitas, à direita, está a estreita Rua do Conde de Vizela. Que foi em tempos idos a Rua do Correio. Ligada ao 1º Conde de Vizela (o 2º foi o da Casa e Jardins de Serralves), que mandou construir todo o quarteirão abrangendo as Ruas de Cândido dos Reis nas traseiras, frentes para a de Santa Teresa a Norte e Carmelitas a Sul. São edifícios de finais do séc. XIX princípios do séc. XX. O lado direito da Rua não têm história. Pelo menos não a descobri.

Subindo as Carmelitas encontramos a Rua de Cândido dos Reis. Toponímica em homenagem ao Almirante Republicano que se suicidou faz precisamente 100 anos por ter pensado que a revolução de 5 de Outubro tinha falhado. A fachada do prédio da direita terá sido o Palácio do Conde de Vizela ? Bom, parece que o limite da cerca do tal Convento das Carmelitas começaria mais ou menos no edifício da A Pompadour (Armazém das Carmelitas). Foi conhecida pelo Largo dos Correios e Rua da Rainha D. Amélia
Aqui realizava-se uma espécie de Feira da Ladra, conhecida como Mercado dos Ferros Velhos. Presume-se que a sua origem vem do séc. XVII, pois há referencias a Ladra num documento da época. Quer dizer recepção e venda, velharias, etc. e tal. Como hoje.
A demolição do Convento e do Mercado deu origem nos inícios do séc. XX à construção do Bairro das Carmelitas, com edifícios de arquitecturas da época. Entre eles, encontramos este com características Arte Nova.
Estratègicamente colocada uma bandeirola de publicidade. Nesta nossa cidade, todos os espaços se vendem e alugam. Não interessa se destoam ou ofendem a vista. Mas quem quer saber, para além do fotógrafo ocasional que não consegue separar o reclame do original, por muitas manobras que faça.
Continuando a subir, logo encontramos a Rua da Galeria de Paris. Foi projectada para ser coberta em vidro, mas a ideia foi abandonada. Faz parte do mesmo quarteirão onde existiu o Convento. Também encontramos um edifício com características Arte Nova, construído em 1906. Creio que é propriedade da Santa Casa da Misericórdia.
Como a maioria dos edifícios deste quarteirão, encontra-se fechado e os grafitis são a nova "referência" artística da rua.
Olhando para os edifícios, vêm-se obras de arte a par de aberrações. Numa das ruas mais in da cidade actual, onde os grafitis imperam, (serão os novos utentes os artistas ?) descobre-se uma pintura de meia fachada em branco. A parte superior continua em creme sujo (íssimo). Esquisito por ser branco em prédio granítico, esquisito por ser só meia pintura. Problemas de condomínio ? As varandas em ferro são lindíssimas.
Já no alto das Carmelitas, de costas para os Leões e para a fachada leste da Universidade, (os pontos cardeais nestas coisas são sempre de mais ou menos, conforme está o sol ou apenas a claridade cinzenta da cidade), à direita está o espaço que a Câmara vai renovar do antigo mercado dos Anjos e à esquerda sobressai o edifício da mundialmente conhecida Livraria Lello (antiga Chardron). Mas cada coisa a seu tempo.
Numa foto histórica, mais ou menos do local onde a minha pobre reprodução actual foi feita, já a Lello existia. À direita está (esteve) o tão célebre Mercado do Anjo.
Mas vale a pena, divulgar a história do local onde ele existiu, que vejam lá, remota ao séc. XII. Diz a lenda...
... que, em certa ocasião, passando D. Mafalda e D. Afonso Henriques, por aqui, a caminho de Guimarães, a esposa do monarca sofreu grave acidente. Em hora de aflição, o nosso primeiro rei terá prometido mandar construir uma capela em honra de S. Miguel-o-Anjo se a rainha saísse ilesa do trágico acontecimento. A prece foi escutada e a promessa cumprida. Na ermida havia uma imagem de Sebastião e na seta que trespassava o coração do santo protector contra a peste estava pendurada uma chave - a da porta da cidade que se abria ali perto na muralha fernandina.
Fora ali colocada para que o padroeiro protegesse a cidade dos surtos da peste tão frequentes e mortíferos durante toda a Idade Média. (Germano Silva, no JN)
Apontamento meu: Quem lá colocou a chave e quando ?, pois é sabido que as muralhas só lá esteviram a partir de séc. XIV. Mas para o caso não interessa nada.
Ao redor da capela de S. Miguel-o-Anjo instituiu-se, em 1672, o Recolhimento do Anjo destinado a acolher viúvas e meninas órfãs filhas de pais nobres. A sua actividade durou até à extinção das ordens religiosas. O edifício foi demolido em 1837 para dar lugar ao Mercado, que acabou também por tomar o nome do padroeiro da capela original.
Mas voltemos à Lello e por muito que se tenha escrito e fotografado, nunca é demais lembrar que é um edifício inaugurado em 1906 da autoria de Francisco Xavier Esteves, com fachada em Arte Nova e resquícios de neogótico. Destaque no interior para os gessos imitando madeira, a escada, uma das primeiras construções em cimento armado da cidade, e o vitral do tecto. Recomendo uma visita - e já agora apreciem bem o que por lá existe para além de livros - e conheçam a divisa da Casa: Aqui nada é proibido. Considerada por uns a mais bonita Livraria do Mundo, ou pelo menos, como na opinião do The Guardian, a terceira mais bela.
O mercado do Anjo foi construído por volta de 1830/40 e demolido em 1952. Há quem recorde um belo chafariz que lá existia e o qual deve ter sido pura e simplesmente desfeito, pois não há qualquer registo dele. Atenção, caros passeantes. Não confundir com o Chafariz de S. Miguel (o Anjo), de Nazoni, que está junto à Sé.
No entanto existe esta bela fonte que foi reconstruída nos jardins dos Serviços de Águas do Porto -SMAS- no mesmo ano da demoliação do Mercado
O local onde existiu o Mercado está agora fechado para reconstrução de qualquer coisa. A ver vamos o que vai sair da manga mágica da nossa Câmara Municipal.
Parece que existiu uma escultura até há bem poucos anos, que esta placa recorda. Francamente, não me lembro de a ter visto. E quanto ao mercado, lembro que minha avó e minha mãe se referiam muito a ele. Para elas, aqui sempre foi o Anjo.
Continuando a nossa volta, do mesmo local olhamos para a esquerda e vamos encontrar a antiga Praça de Santa Teresa. Curiosamente, ainda hoje lhe chamamos assim (ou Praça do Bombeiro), embora desde 1915 se chame de Praça Guilherme Gomes Fernandes em homenagem a um antigo Comandante dos Voluntários do Porto
Imagem de um pormenor actualmente
Outra, com mais de um século. O ponto de referencia é o Palácio do Visconde de Balsemão.
Outro pormenor da antiga Praça
Logo à direita encontramos a Rua de Santa Teresa, que tomou o nome do local, isto é, do Convento que esteve por todo este quarteirão.
Iniciamos a descida e este é o terceiro lado do quadrado. Olhando para a direita, encontramos novamente as ...
... Rua da Galeria de Paris...
... a seguir a Rua Cândido dos Reis...
E mais um pormenor do Mercado dos Ferros Velhos
E no extremo deste quadrado ilusório, na esquina da Rua da Fábrica (antiga Rua da Fábrica do Tabaco, porque lá uma existiu) com a Conde de Vizela, um velho edifício que albergou por muitos anos, no rêz-do-chão, os escritórios da Fábrica de Moagem da Granja, de Campanhã. Presumo que os azulejos ainda são desse tempo.
Fechando o tal quadrado, do tal quarteirão, a Rua do Conde de Vizela vista de Norte para Sul. Muitos dos antigos edifícios, embora conservados, estão fechados. Armazens, escritórios e residencias, faziam desta rua uma das mais movimentadas da zona. Curiosamente, ainda lá vi aberta uma velha oficina de carpintaria, escura como sempre foram essas pequeninas indústrias.

Até ao próximo passeio.