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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

115 - Belomonte e S. João Novo

Belomonte (ou Belmonte) foi uma das quatro freguesias em que a da Sé se dividiu em 1582, ficando com o nome de S. João Baptista de Belomonte, sendo extinta em 1592 por ordem do Bispo D. Jerónimo de Meneses e integrada na freguesia de S. Nicolau. Este Bispo foi reitor da Universidade de Coimbra e Bispo de Miranda. Exerceu o Bispado no Porto entre 1593 e 1600. Num aparte, como pode ter extinto a freguesia em 1592 ? Coisas da História ou erros dos sites.
Proponho uma volta subindo desde o Largo de S. Domingos
a Rua de Belomonte até ao Largo de S. João Novo,
descendo depois a Rua com o mesmo nome. A passeata está referida no mapa.

O Largo de S. Domingos e os seus monumentos e comércios velhinhos já referi anteriormente. Para os curiosos, ver as postagens 20 e 25 e a etiqueta S. Domingos.

Tendo atrás S. Domingos e à esquerda a Rua Ferreira Borges inicia-se aqui a Rua de Belomonte, assim chamada porque no fim - e antes do Largo de S. João Novo onde termina - existia um cruzeiro denominado Padrão de Belmonte.

É uma rua antiquíssima mas que aparece referida pela primeira vez numa escritura de 1503, na qual se aforavam trinta varas de chãos ao armeiro Álvaro Gonçalves para aí se construir cinco moradias...
Álvaro Gonçalves é um personagem referido no romance histórico A Última Dona de São Nicolau, episódio da História do Porto no séc. XV (1864) de Arnaldo Gama (os interessados podem ler o livro escrito como no original em  http://books.google.pt/books?id=JmYuAAAAYAAJ&hl=pt-PT&pg=PA1&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false )

A iniciativa partiu de uns Frades - terão sido os Eremitas Calçados de Santo Agostinho ?- que determinavam serem as moradias construídas acima da Viela da Esnoga (Sinagoga). Bom, acho que aqui haverá um erro (ou falta de compreensão minha, talvez) porque a antiga Viela da Esnoga ( posteriormente Rua de S. Roque, porque teria havido uma ermida ou oratório, e também Viela de Luís Coelho) é hoje chamada Rua da Vitória. No entanto as Escadas da Vitória que vêm dar a Belmonte são as antigas da Esnoga. Com um belo prédio a ruir.

A Tipografia Heróica, inaugurada há muitas dezenas de anos, segue a tradição da produção e impressão das populares Quadras Sanjoaninas, que enfeitam os vasos de manjerico e os bolos de S. João. O seu primitivo dono, com quási 90 anos, vendeu o negócio há uma dezena.

Outro velho comércio, tipo tem tudo de antigamente, com o seu dono ao balcão também já de idade avançada. Lendo o jornal, vício com muitos anos e que sempre se praticou no Porto quando não haviam clientes para aviar.

Continuando a subir a rua, a meio avistamos bem próximo o final da Rua das Taipas, à direita, que aqui desemboca.

À esquerda encontramos o Palacete de Belomonte (ou Belmonte) do séc. XVIII, que foi a Casa dos Pacheco Pereira, adquirido em 1888 pela Companhia dos Caminhos-de-Ferro Através de África (também conhecido como Companhia de Ambaca).
O Brazão da Família foi substituído pelo da Companhia aquando da sua aquisição. Hoje o Palacete alberga um núcleo da Escola Superior Artística do Porto. Pessoalmente, repugna-me aqui entrar por causa do aspecto sujo e pouco cuidado e a escuridão do hall da entrada. Imagino como sendo uma casa de conspiração secreta.
Olhando para trás, os tons dourados de fim de tarde pintam de cor o morro e a Catedral da Sé do Porto. Infelizmente, as ruínas de algumas casas em Mouzinho da Silveira não podem ser retiradas...

Numa antiga drogaria, está instalado o Teatro de Marionetas do Porto, fundado em Setembro de 1988, integrando o reportório do Teatro Dom Roberto, fantoches de tradição bem Portuguesa. Para breve, segundo escreve a companhia, estará pronto o Museu de Marionetas do Porto.
No fim da Rua, provàvelmente onde existiria o tal cruzeiro, vamos então encontrar o Largo de S. João Novo.

Um olhar para trás fixando esta Rua do Velho Porto e Património da Humanidade.

Já no Largo encontra-se o Palácio de S. João Novo situado junto a um pano que ainda existe, da antiga muralha da cidade. Foi mandado edificar em 1727 por Pedro Costa Lima, fidalgo da Casa Real e administrador dos estaleiros da Ribeira. Depois da sua morte vários foram os fidalgos que o habitaram. Talvez por isso a Câmara Municipal do Porto chama-lhe Palácio dos Leites Pereiras de Melo e Alvim. O seu projecto foi durante muitos anos atribuído a Nicolau Nasoni, devido à exuberância dos elementos exteriores. No entanto, actualmente confirma-se que a traça do palácio foi elaborada pelo mestre António Pereira.
Na Guerra Peninsular, mais conhecida em Portugal como das Invasões Francesas (1807/1811), o Palácio foi ocupado pelos Franceses durante a segunda invasão em 1809. Serviu também de Hospital das Tropas Liberais de D. Pedro IV aquando do Cerco do Porto.
No final das Guerras Liberais, o palacete foi devolvido aos seus proprietários que o viriam a alugar à Tipografia Comercial Portuense e posteriormente à Junta da Província do Douro Litoral que em 1945 instalou o Museu de Etnografia e História, considerado um dos mais ricos do País. Devido a sinas de degradação, potenciados por um incêndio ocorrido em 1984, o palácio foi encerrado desde 1992 e até hoje. E o acervo do Museu onde está ?  Já fiz esta pergunta várias vezes, mas ninguém me responde...Mas no site da Câmara, no local referente à Toponímia da Cidade, 10 anos depois de fechado ainda refere que lá está o Museu. Como este site é só actualizado para reverenciar o querido Presidente Rui Rio, tudo que não lhe diga respeito nem sequer conta para a história. Adiante.

No Largo chamado então de Nossa Senhora da Esperança e nas Muralhas Fernandinas que aqui passavam, rasgava-se a Porta da Esperança. Existia uma Capela dedicada a S. João Baptista, que o Bispo D. Jerónimo de Meneses doou aos Eremitas Calçados de Santo Agostinho. Já nada disso existe, mas temos o Fado, uma das poucas e boas casas da Cidade onde ele ainda se canta. E se come bem, diga-se de passagem.

Ora os Eremitas Calçados de Santo Agostinho acharam a Ermida pouco própria para as suas necessidades e por bem, com o beneplácito do Bispo D. Jerónimo, (e depois com o dos seus sucessores D. Fr. Gonçalo de Morais e D. Fr. João de Valadares para a continuação da obra) iniciaram a construção de uma nova Igreja e Convento. As obras terão começado, segundo uns em 1592, segundo outros em 1613. De quaisquer das formas, demorou a construção muito tempo, sendo dado como concluída em 1779. O arquitecto é desconhecido, mas há quem diga que a fachada do templo pela sua monumentalidade, está desproporcionada entre os seus elementos. Para mim, leigo puro, é uma obra colossal.
Sempre conheci esta fachada negra. Sei que o granito contem elementos negros. Mas como gostaria de ver um dia esta fachada mais clarinha.

O local na altura chamava-se Sítio da Boavista, S. João do Monte ou de Belomonte. A Igreja e Convento foram dedicados a  São João de Sahagún ou João de São Facundo, nascido Juan Gonzalez de Castrillo Martinez de Sahagun y Cea, na Vila de San Facundo, actual Sahagún (Salamanca, Espanha) em 1419. Ingressou na Ordem dos Agostinianos em 18 de Junho de 1463 e fez a sua profissão de fé em 28 de Agosto de 1464. Foi sacerdote, teólogo, prior do convento de Salamanca, beatificado em 1601 e canonizado em 1690. Faleceu em Salamanca a 11 de Junho de 1479.
Para evitar confusões com tantos S. Joãos, ou como nós portuenses dizemos, S. Joões, o Largo e a Rua ficaram toponìmicamente a chamar-se de S. João Novo.

A Igreja guarda obras de arte dos séculos XVII e XVIII, entre outras. Os azulejos que em parte a revestem são de 1741.
Quando olho a abóboda em pedra e a sua altura, fico com um sentir de insignificancia. Provàvelmente é esta a Igreja da Cidade que mais me arrepia. 
Devido à extinsão das Ordens religiosas o Convento foi abandonado em 1832. Desde 1863 o Tribunal Criminal e Correccional do Porto foi aqui instalado conservando o antigo nome do convento. Ainda hoje por cá se mantém. É o Tribunal de S. João Novo pura e simplesmente.


A Rua de S. João Novo é estreita e pequena. Quem na desce, do lado direito, repara que quási toda ela é ocupada pelo ex-Convento. Do lado esquerdo, habitações e comércios. No que terá sido um jardim, hoje parque automóvel de serventia ao Tribunal, vemos um pequeno panorama sobre a zona histórica. Na foto, algumas habitações e no alto as trazeiras de outras habitações em Belomomte. 
O final de linha é na Rua do Comércio do Porto, que também foi da Rosa e Ferraria de Baixo.
E que guarda muitos significados históricos, palacetes e igrejas
Coisas que ficarão para um novo passeio.

Uma nota final. Durante as minhas pesquisas encontrei algumas discrepâncias sobre datas. Das que mais me chamaram a atenção foram as da beatificação e canonização de Frei João de S. Fagundo. Na dúvida, escrevi a que me pareceu mais acertada e que recolhi em http://www.midwestaugustinians.org/saints/s_johnsahagun.html