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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

146 - A Rua de Sá da Bandeira

A Rua de Sá da Bandeira é para mim a artéria da Cidade do Porto, a par com o espaço Praça da Liberdade-Avenida dos Aliados, que mais belos edifícios possui. Vi terminá-la e tenho boas recordações dela.
É uma homenagem a Sá da Bandeira, o Maneta, (1795 - 1876), figura proeminente da história de Portugal do séc. XIX, grande combatente tanto na Guerra Peninsular (Invasões Napoleónicas) como nas Lutas Liberais, ao lado de D. Pedro IV. Para os curiosos, ver a sua vida em http://www.arqnet.pt/dicionario/sabandeira1m.html
A Rua começou a ser aberta em 1836, de Sul para Norte, digamos assim, através dos terrenos abandonados do Convento dos Congregados, que fugiram quando D. Pedro IV tomou a Cidade.
A intenção era a abertura de uma artéria que ligasse a Praça de D. Pedro, hoje Praça da Liberdade, à Rua do Bonjardim que estava ali próxima. Actualmente a artéria chama-se Rua de Sampaio Bruno (José Pereira de Sampaio, 1857 - 1915, de pseudónimo Bruno e assim ficou para a posteridade este portuense, escritor, filósofo e ensaísta). Foi o início da Rua de Sá da Bandeira, depois chamou-se Travessa.
As primeiras casas começaram a ser construidas em 1843 e as traseiras ficaram voltadas para a Viela dos Congregados, hoje Travessa, que era extensa. A única entrada desta artéria vê-se à direita na foto e nela estavam instalados Restaurantes e Tascas que serviam boa comida a preços baixos e "Fora de Horas". A rapaziada do meu tempo deve lembrar-se das Tripas e dos Bifes da Flor dos Congregados, da Viúva ou do Paris, depois do cinema ou do teatro.
Havia também o Girassol frequentado pela gente do teatro e que oferecia um jantar ao "jogador que marcasse o primeiro golo" nos desafios que Porto e Salgueiros realizavam em "casa". Nessa altura, meados e finais dos anos 50 do século passado, um jantar à maneira deveria ficar pelos 20 escudos. O que era muito bom, se olharmos que um copo de vinho, o célebre negus, custava 5 tostões.

Hoje, o actual início da Rua é junto à Igreja dos Congregados e só muito mais tarde foi iniciada a sua abertura, concluída em 1916, quando se começaram as obras para a abertura da Avenida dos Aliados. Anteriormente parece-me que se incluía esta parte na velha Rua do Bonjardim.

O edifício do lado direito foi a sede do Banco Borges e Irmão, transferida do edifício que tinham no gaveto do Bonjardim com os Congregados. Num dos andares da frente voltada para a Praça da Liberdade mesmo no gaveto das Ruas de Sá da Bandeira à esquerda e de Santo António (ou 31 de Janeiro) à direita ficava a delegação de um Jornal lisboeta cujo título não me lembro.

Nesse edifício, à esquerda na foto, onde se encontram as actuais instalações da Sousa Ribeiro, era o Café Excelsior, também conhecido pelo Café dos Ciclistas.

Presumo que a Rua nessa altura iria pouco além do local onde está o Teatro Sá da Bandeira. Em 21 de Fevereiro de 1858 foi inaugurado o Teatro Baquet com entrada pela Rua de Santo António (actual 31 de Janeiro) mas com ligação por uma artéria estreita - hoje fechada com um portão a cadeado - à Rua Sá da Bandeira. O Teatro Baquet ficou destruído num incêndio em 20 de Março de 1888 e no mesmo local, creio que nos princípios de 1890 foram inaugurados os Armazéns Hermínios, com fachada e entrada também pela Rua de Sá da Bandeira. Hoje esse local tem um prédio - na minha opinião mamarracho, de frontaria toda espelhada, contrastando com a arquitectura local - que alberga o Hotel Teatro.

No local do edifício do Teatro Sá da Bandeira construiu-se primitivamente um barracão de madeira como Teatro de Cavalinhos, em 4 de Agosto de 1855. Em 1867 foi demolido para ser construído um em pedra que 10 anos depois foi substituído pelo actual edifício. Mas a fachada para esta rua só foi construída em finais da década de 1870. Chamava-se Teatro-Circo do Príncipe Real tendo sido alterado o nome após a revolução de 5 de Outubro de 1910.

Teatro de grande importância na vida cultural da cidade - era o único na altura pois o Real Teatro de S. João tinha ardido e a construção do novo e actual Teatro Nacional de S. João só em 1920 foi inaugurado - teve como empresário o grande Arnaldo Rocha Brito, o livre-pensador, o "Bonito" (bonito, bonito, é o Rocha Brito, diziam as senhoras numa rábula de revista) desde 1910 até à sua morte em 1970.

No dia dos meus 17 anos os meus pais ofertaram-me o almoço no Abadia e uma entrada para a Revista à Portuguesa, cujo nome não me lembro, sendo cabeça de cartaz Camilo de Oliveira. A entrada não era permitida a menores de 18 anos e constava-se que no ano seguinte entraria em vigor a lei que proibia a prostituição. Nunca a canção de Gilbert Becaud, de 1961, Et Maintenant foi tão ouvida e glosada.

Em frente, fazendo esquina com a Rua do Bonjardim, o edifício de A Brazileira, creio que, tal qual o vemos hoje é de 1938. Foi inicialmente concebido pelo arquitecto Oliveira Ferreira (1884 - 1957) julgo que em 1914.
A Brazileira foi fundada em 4 de Maio de 1903 por Adriano Telles, farmacêutico do Porto, tendo ainda jovem emigrado para o Brasil, enriquecendo com o negócio do café. Regressado, montou uma torrefacção e oferecia uma chávena de café a quem comprasse uma saquinho dele. Adquiriu os prédios à volta até chegar ao edifício de hoje. A Sala Pequena foi comprada há poucos anos pelos Caffè di Roma e a Sala Grande é Restaurante.
Era o Café preferido pelos jogadores de futebol da Cidade e pelos artistas lisboetas e não só que se apresentavam no Teatro Sá da Bandeira.

De costas para o Teatro e divididos pela Rua de Sampaio Bruno, à esquerda o edifício do antigo-relativamente-recente Banco Pinto de Magalhães. Nacionalizado após o 25 de Abril de 1974, várias forças se conjugaram para o levar à falência. Sem o primitivo dono, o saudoso, para mim, Afonso Pinto de Magalhães.
Para os interssados ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_Pinto_de_Magalh%C3%A3es e especialmente para os amigos brasileiros http://pt.wikipedia.org/wiki/Banco_Pinto_Magalh%C3%A3es

Edifício mamarracho, cheio de espelhados, foi construído, se bem me lembro, na década de 60. Não sei se o anterior foi o que tinha na frente voltada para Sá da Bandeira uma fonte, construída após a abertura do troço da actual Sampaio Bruno.

Do lado direito, o edifício onde se alojou pimitivamente o Banco Borges (antes, casa bancária).  Por baixo existia o Bar Borges, local preferido de "africanistas e brasileiros" e por cima, do lado da actual Sampaio Bruno, o Hotel Aliança. Destes comércios ainda me lembro das fachadas.
O edifício antigo e a Fonte anteriormente referida

Só em 1876 continuou a abertura da Rua. A de Passos Manuel já existia desde 1874 e era - é - a primeira à direita de quem sobe.
Pensou-se entretanto na abertura de um espaço que ligasse a Rua de Passos Manuel com a Avenida dos Aliados. Em 1944 nasce o projecto para a abertura da Praça D. João I. Incluía de cada lado da Praça própriamente dito, a colocação das Estátuas do Rei D. João I e da Rainha D. Filipa de Lencastre. Figuras queridas da Cidade desde o séc. XIV. Mas Salazar proíbiu, só porque Álvaro Cunhal escreveu algo sobre o Rei. Pelo menos é o que se escreve. Os pedestais estiveram anos sem dono até 1957, onde foram colocados "Os Córceis" da autoria de João Fragoso.

A sul da Praça ergue-se o edifício Rialto, inaugurado em finais da década de 40. É o conhecido e simbólico arranha-ceus da Cidade com 8 andares, projectado por Rogério de Azevedo (1988 - 1983). No rés-do-chão e cave, o Café Rialto, luxuoso, foi projectado por Artur Andrade (1913 - 2005). No interior, murais de Guilherme Camarinha, Dórdio Gomes e Abel Salazar. Um baixo relevo de João Fragoso desapareceu quando o Café foi comprado para nele se instalar uma agencia bancária. Foi o que li, pois nunca lá mais entrei.
Na cave eram famosos os sofás em couro gravado, elegantes e confortáveis, onde a malta podia estudar mas só até às 17 horas, Hora do Chá.

Em frente, nascia o edifício sede do ex-Banco Português do Atlântico, de Artur Cupertino de Miranda (1892 - 1988) inaugurado em 1951. Possuí-a imensas obras de arte, vi algumas. Depois de adquirido por outro banco não sei se ainda existem.

Em frente ao edifício passa uma artéria que liga Bonjardim a Sá da Bandeira. Por baixo existiam instalações do Banco com uma espécie de multibanco actual, através do qual eram permitidas fazer transações; uma Cervejaria pertencente ao Carvalho, ex-jogador do Porto e depois do Salgueiros; e um Café, o Odin, chamado dos Salgueiristas. Aos sábados à tarde, eu menino, era companhia do meu pai, vindos desde o Marquês a pé, por Santa Catarina, dobrando Gonçalo Cristovão e embicando a Sá da Bandeira, pela parte nova. No retorno era o mesmo caminho.
Naquela altura não me custava subir, principalmente depois de um lanche.

A Poente a Praça ganhou o Teatro Rivoli, que quanto me lembro. só era Cinema. Ganhou algum Teatro mas só quando Filipe la Féria o alugou passou a ter Teatro de casas cheias. Já me referi ao edifício quando "tratei" da Rua do Bonjardim. A nascente, formando ângulo, por acaso redondo, entre as Ruas Sá da Bandeira e Passos Manuel, é construído o edifício da Confidente, a maior organização do País na Compra e Venda de Propriedades. Assim diziam os calendários e cartazes promocionais e anúncios na Rádio.
Pois o dono, o Antero da Confidente como era conhecido, no largo da Praça D. João I mandou construir uma Fonte Luminosa. Poucas vezes a vi, pois raramente o meu pai ía à Baixa à noite. A Praça no piso central também teve uma rosa dos ventos, colorida, linda. Depois de várias reformas, está feia e serve para armar barracas principalmente no Natal. A Fonte, não sei se luminosa, está no Jardim da Praça do Marquês de Pombal. E a rosa dos ventos ? sei lá...

Em 1880 a Rua Sá da Bandeira chega à Rua Formosa, chamada antigamente Rua da Neta, já aberta nessa altura. Alguns graníticos e belos edifícios nem todos bem conservados, acompanham a Rua.

Foto de Agosto de 2007 da Viela da Neta
Mas para chegar à Rua Formosa (da Neta antigamente) é destruída a Viela da Neta, sobrando hoje uma pequena parte. Parece que ninguém conheceu a Neta e o porquê de assim se chamarem as artérias. Escreveu Andrea da Cunha Freitas, o velho historiador do Porto (1912 - 2000) que já eram conhecidos estes nomes desde 1774 referidos nuns documentos como uma rua e viela do Pai Ambrósio da Neta.
Essa famosa Viela vinha desde lá de baixo próximo do Bonjardim e acabava nas Liceiras, onde nas trazeiras da sua residencia no Porto, ao Largo da Trindade, Dona Antónia Ferreira, a famosa Ferreirinha, a dos Vinhos (1811 - 1896) vendia produtos das suas quintas.
A Viela, agora conhecida como Travessa da Rua Formosa, para além duma grande tasca/restaurante bem jeitoso e antigo, albergava as traseiras e armazéns de duas casas comerciais importantes da Cidade: a Casa Forte, "Forte nos sortidos, fraca nos preços" era o slogan, e onde chegou a abrir uma loja de artigos de desporto e campismo; e a Lã Maria, uma espécie de tem tudo a preços familiares. As casas comerciais fecharam nos anos 80/90, os edifícios degradaram-se até ter acontecido um desmoronamento que obrigou ao encerramento da Viela.

Na esquina das Ruas Formosa e Sá da Bandeira, o edifício Singer. Já não existe a Singer nem o oculista que lhe seguiu; agora, está tudo fechado, incluindo a Villares do célebre Samarra, grande benemérito do Porto (clube) do lado da Rua Formosa.

Do outro lado da Rua, a velha Ourivesaria do Bolhão com o relógio parado há anos, num dos tais edifícios degradados, que pelo menos exteriormente, é um dos poucos nesse estado ruinoso. Em frente o edifício Tamegão, assim conhecido porque nos seus baixos existia a Casa com o mesmo nome que talvez tenha sido a maior do Porto na venda de cutalerias, louças, etc.
Ao lado, o Solar do Conde de Bolhão, edificado em meados do séc. XIX, a mando de António Alves de Sousa Guimarães. Para além de intensa actividade social que dentro de portas se desenrolou, aqui foi recebida a Rainha D. Maria II e a família real. Num anexo dos Jardins foi construída uma das primeiras cinematecas do País.
No início do séc. XX foi vendido à Litografia do Bolhão, que para o adaptar à indústia, destruiu uma parte do res-dochão e dos jardins. Esta gráfica funcionou até princípios da década de 90.
Li já há uns anos que o edifício entrou em recuperação para albergar a Academia Contemporânea do Espéctaculo e o Teatro do Bolhão. Uma fase foi concluída, mas parece que faltavam 300 mil euros para completar o valor de fundos comunitários para concluir a obra. Presumo que foi tudo por água abaixo.
Famosa é a estátua de Mercúrio colocada lá no alto.
Mais um mamarracho espelhado do lado esquerdo da Rua de quem sobe, cujo novo troço até à Rua de Fernandes Tomás começou a ser aberto em 1904.
Toda a planta baixa desses edifícios são comércios, destacando-se as mercearias finas da Casa Ramos e da Casa Chinesa talvez dos anos 50. Um pouco acima, a Casa Christina cujo início é de 1804 na antiga Rua do Bispo, em Liceiras, com torrefação de Cafés e Fábrica de Chocolates. Mudou-se para a Rua Sá da Bandeira em 1920.

Do outro lado é o Mercado do Bolhão, cuja origem remonta a 1839. Depois de várias adaptações chega ao edifício que hoje conhecemos, construído em 1914, considerado uma obra de vanguarda para a época. Na década de 40 foi construído o piso superior que liga as Ruas de Alexandre Braga, a nascente e Sá da Bandeira.
Toda esta zona assentava num lameiro, atravessado por um riacho que neste local formava uma bolha de água e daí veio o nome para o Mercado do Bolhão.
Está há anos degradado a precisar de urgentes reformas, mas não se ata nem desata com a sua recuperação.

A rua parou na de Fernandes Tomás e só nos anos 50 do séc. XX se vai prolongar até à de Gonçalo Cristovão. Eram terrenos agrícolas, e existiam duas fábricas importantes: uma tecelagem cujo nome desconheço e a Fundição do Bolhão, de 1848. Nela se produziu uma memória em honra de D. Pedro V, o Bem Amado (1837-1861), - creio que se encontra em Leça da Palmeira - colocada à entrada do Mercado do lado de Fernandes Tomás; e a coroa que encima a torre sineira do Santuário de Fátima, com 7 mil quilos.
Destaca-se o edifícío do Palácio do Comércio contruído entre 1944 e 1954 (que ocupa todo um quarteirão e é o centro de quatro ruas) projecto dos arquitetos David Moreira da Silva (1909-2002) e sua esposa Maria José Marques da Silva (1914-1996), para o industrial Delfim Ferreira.
No topo uma escultura denominada O Triunfo da Indústria do mestre Henrique Moreira (1890 - 1979).

O troço entre Fernandes Tomás até ao final em Gonçalo de Cristovão, atravessando a Rua da Firmeza.

Vários edifícios vão sendo construídos.

Pormenores interiores e exteriores

Na esquina da Rua da Firmeza, aberta totalmente em 1885, foi construído o Edifício Emporium projecto do arquitecto Arthur de Almeida Junior em 1939, que alberga a Confeitaria Cunha, mudada de Santa Catarina nos anos 80. Era famoso o seu Bolo-Rei e na véspera do dia da Natal, quando por hábito fazemos a ceia da consoada, formava-se uma fila enorme para o comprar.

Aqui é Fradelos, topónimo do séc. XIII, onde existiam Casais com terrenos agrícolas, sendo um deles da família de Brás Cubas (Porto, 1507-1592), o fundador da Cidade de Santos e o descobridor de ouro e metais no Brasil:  http://pt.wikipedia.org/wiki/Br%C3%A1s_Cubas
Segundo a lenda, em tempos antigos existiu um hospício dos monges bentos que mandavam os doentes para este sítio por ser saudável. A capela actual é setecentista.

Em 1955 a Câmara promove um concurso público para remate deste troço, que é ganho pelos arquitectos Agostinho Rica (1915-2010) e Benjamim do Carmo. A solução é de um edifício que remata o quarteirão, um edifiío-ponte sobre o final da Rua e que liga à de Goncalo Cristovão e um jardim a poente. Coitadito do Jardim, quanto pobrezito ele é. Nele está colocado uma estátua em bonze, a Maturidade, de João Charters d'Almeida. Dei fé desta estátua apenas há alguns dias.

De um dos andares do edifício que remata a rua, uma vista para sul que para além da Capela de Fradelos, permite ver o edifício chamado DKW por aquí se terem instalados os escritórios e o stand de automóveis daquela marca, nos anos 50. O projecto é de Arménio Losa (1908-1988) e Cassiano Branco (1897-1970)

Do mesmo andar, uma vista para norte

Muitas foram as fontes onde recolhi imagens e textos. Para além da Wikipédia, destaco:

Outras fontes foram as minhas memórias do sítio