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domingo, 30 de junho de 2013

162 - Memórias de Trás-os-Montes e Alto Douro - 3

Estava com muitas dificuldades para reiniciar as minhas simples memórias Transmontanas-Dourienses, (porque será que não consigo escrever Durienses ?) quando o amigo Fernando Conceição me tirou da aflição ao enviar-me o mail com o seu blogue http://cadernosdalibania.blogspot.pt/2013/06.

Nele pude ler a crónica da autoria de Clara Ferreira Alves, a pluma caprichosa, titulado Portugal Feio, Porco e Mau, com o qual não posso estar mais em desacordo. Aconselho a ler a crónica, para isso basta clicar naquele link. Não gosto, mas tem que ser, de aplicar a palavra inglesa, mais velha do que a Internet, significando elo de ligação. Mas é curtinha e os internautas saberão para que serve.

E estou em desacordo porque Portugal não é isso que a cronista escreve. Poderá ser na região que descreve, Lisboa e Costa da Caparica. Embora mandando umas indirectas aos "ricos" dos automóveis, Portugal não é Lisboa e a Costa da Caparica e por conseguinte não deverá meter o País nessa área. E muito menos compará-lo com a Rua dela.

Concordo por exemplo que no Porto, a minha Cidade, temos uma coisa Feia: A Avenida dos Aliados. Concordo também quando se refere aos autarcas, uma cambada (não todos, digo eu mas só porque conheço um que embora com o cognome carinhoso de Régulo de Mampatá e Medas é digno do meu respeito e está teso como um carapau de corrida) que só estragam o que é belo. Deixam cair uns prédios e não ajudam a ficar outros em pé, principalmente nas zonas históricas e comerciais. Alguns até dizem que têm dinheiro no Banco -as Câmaras, bem entendido-. Esta parte é minha e não da serpente e logicamente que é uma directa ao sr. Presidente Rui Rio.
Mas quanto à limpeza, de uma maneira geral, não nos podemos queixar. E tanto os habitantes, cada vez menos, como os visitantes diários que enchem a Cidade, cumprem civicamente para a boa qualidade de vida dela. Porque esta é a Nossa, a Vossa e de Todos Cidade do Porto. Embora alguns turistas e não só jovens de civismos pouco entendam, mas também não vem dai grande mal.

Toda esta conversa para chegar ao tal início do meu escrito que não sabia como começar.

Visitei muito a correr, uma parte da região que antigamente se chamou de Trás-os-Montes e Alto Douro. E vi deste lado de Portugal uma limpeza exemplar, quer nos centros históricos quer nas ruas das maiores vilas ou dos pequenos lugares.
Um ou outro grafite, coisa simples, não retira a minha impressão.
Mas continuando;

O restauro e conservação da história monumental é bem patente e francamente hoje sinto-me triste por não ter podido apreciar tudo o que gostaria.

Gostei de ver em Miranda do Douro as placas toponímicas escritas em Português e Mirandês, a segunda língua oficial de Portugal.
O Museu instalado no edifício da antiga Câmara mostra-nos a vida da Região, as suas artes e ofícios, o pastoreio, os trajes, as tradições, enfim muita história. As Capas de Honra, construídas em burel, tecido de lã e muito trabalhadas, são usadas especialmente em cerimónias solenes. Não faltam também a representação das figuras dos rituais do solstício de inverno, festa pagã que foi proibida pelo clero mas que o povo não deixa morrer. Esta festa realiza-se um pouco por alguns lugares dos concelhos nordestinos.  
O retábulo do altar-mor da Catedral é uma obra de arte excepcional segundo lemos na sua história. Tanto ele como o edifício são obras de espanhóis. Os outros retábulos, pelo menos alguns, foram pintados por transmontanos.
Do cimo das muralhas, olhamos um espectáculo surpreendente sobre o Rio Douro e os seus muros. A barragem de Miranda é a primeira do Douro Internacional e entrou em funcionamento em 1960.

Mas não foi por Miranda, que própriamente dito a viagem começou, mas sim por Vimioso e pela sua freguesia de Argozelo. Juntinho à estrada, a entrada de uma antiga mina de Volfrâmio.
Uma paragem para um café e logo se entra em conversa com os clientes e a dona da casa, Benfiquista de gema, vendo-se um grande emblema do glorioso bem destacado na parede. Era quási hora do almoço para aquela gente. Um dos clientes, pessoa já um pouco entrada na idade e que tinha trabalhado na mina,  prontificou-se a mostrá-la. Fiquei-me pela vista exterior das vagonetas e da máquina que as puxava e muitos agradecimentos pela gentileza.
Entre imensas flores e arbustos na área exterior do café, encontra-se plantada uma jovem oliveira, um dos símbolos desta região, já com pequeninos frutos. Fiquei a saber que a oliveira "pega" a partir de uma galho. À que me refiro ainda não fez dois anos e no ano passado já deu 12 azeitonas.
Andava meio entusiasmado, que esqueci de fazer o "boneco". Bem como do emblema do Benfica. Desculpem-me a falha os amigos da cor vermelha, mas fica a referência.

Depois de passar o largo da freguesia, encontramos este velho casarão com capela num estado ruinoso. Quis fazer uns pormenores, mas saiu-me ao caminho um cãozarrão (lembrei-me do da Glo) todo contente a ladrar. Como não sabia se era tudo alegria por me ver, pelo sim pelo não entrei na defensiva recuando como mandam os livros. Isto é, não dar as costas ao inimigo.

Demos um salto a Vimioso antes de almoço, no restaurante da Senhora das Pereiras, ali a meia dúzia de quilómetros e na freguesia do mesmo nome (recomendo-o pela simpatia das pessoas - empregados ou patrões, não sei - pela boa comida, arroz de polvo tipo prova  numa grande travessa e cordeiro à moda da casa, uma especialidade e pelo preço. Não servem bagaço porque não têm - nem daquele que o patrão bebe escondido, garantiram - mas colocam à disposição uma CRF.
Lá estão as rotundas à moda de Portugal mas calcetadas com granito. Vêm-se obras em ferro cujo significado desconheço. Mas numa delas percebe-se que é uma homenagem à Azeitona e ao Azeite.  

Muita limpeza e algumas casas bem conservadas na pedra da região. O xisto, o quartzo e o granito

É preciso subir até ao monte da Atalaia, lugar onde ainda existe a torre de um antigo castelo desmoronado há séculos. Estou de costas na subida olhando um pequeno santuário do outro lado.

É hora de me referir um pouco às estradas. E francamente não imaginava que Trás-os-Montes estivesse tão bem servido delas.
Mas a vida não se fez só em estradas importantes. As municipais e secundárias estão muito bem tratadas. É fácil viajar para e pelo Nordeste de Portugal.

Admirou-me ao longo da viagem os muitos campos cultivados. Em conversas fiquei a saber que muita gente está a voltar às terras.Também preparando os terrenos para novos cultivos.

É bom conversar com as gentes transmontanas. Além da simpatia, explicam tudo direitinho. Diga-se em abono da verdade que sempre tive muita facilidade no tratamento com as gentes de qualquer ponto de Portugal. É certo que no Algarve do turismo nem sempre fui olhado como bem vindo. Mas aí não vou incluir grandes amigos, especialmente o Zé Augarbéu e o TóManel, nem alguns bons clientes que me adoravam ver por lá. Tal qual os Transmontanos. 
Regressando das divagações. Vêm-se com certeza muitos idosos. E alguma gente menos entrada na idade. Mas juventude, muito pouca. Crianças ainda menos.
Uma das riquezas transmontanas é o gado. Ovino, bovino e porcino especialmente.

 Mais uma rotunda, esta não lembro onde é. E umas residências tipo caixote. 
Os maus gostos arquitectónicos andam por todos os lados. Na minha opinião de leigo.

Saindo de Miranda do Douro a próxima paragem teria de ser Sendim. Também com o seu dialeto, arrevesado do Mirandês. Será correcto escrever assim? Não deu oportunidade para ir ver a barragem do Picote nem as famosas Arribas do Douro, mas o lugar, hoje Vila, estava há muitos anos na minha ideia.

Era eu um jovem dos meus 15/16 anos, quando foi trabalhar para a minha empresa outro jovem mais velho cerca de 6 anos. O amigo José Lemos. Isto passou-se no primeiro ano da década de 60 do século passado.
Anteriormente trabalhara como vendedor de mercearias nas terras do Nordeste. Contava histórias daquelas gentes, dos burricos que levavam a mercadoria para os lugares sem precisarem de ser guiados, das barragens em construção. E do bacalhau. O lojista tem-tudo desses lugares se quisesse um fardo de 60 Kg tinha de comprar outras mercearias.E vendia tudo, mais que houvesse, especialmente bacalhau. E claro da Pensão da Ti Gabrila onde nasceu, segundo os gastrónomos, a Posta Mirandesa, nacos de carne bovino, tradicionais da região, servidos dentro de um pão, nas feiras.
E o menino José Lemos tinha direito a água quente para tomar o banho possível, aquecida na lareira e levada ao quarto pela única empregada, também ela já entrada na idade mas muitos menos que as duas manas, pessoas já idosas. No inverno, conta o meu amigo, que era preciso meter jornais junto ao corpo para ajudar a combater o frio.
Hoje existe o Restaurante A Gabriela que tem como prato especial a Posta Mirandesa. Esqueci de bater o boneco.
Dei uma volta pela Praça. 
Sentei, olhei, esperei,  
a crise passar.
Oliveiras plantadas por toda ela, mesmo nos pequeninos jardins em frente das casas. Uma senhora idosa, um senhor idoso, uma cigana, um comércio e um talho, mais quatro pessoas e três homens na esplanada, no largo do Restaurante.

Ficamos ou seguimos, eis a questão. Seguimos para Mogadouro e foi o melhor que me aconteceu.

 Directos ao Monte do Castelo, onde vi um dos mais belos pôr do sol de que me lembro.
Mogadouro tem muito mais, mas ali no cimo, mesmo com um frio bem forte, não dá vontade de sair enquanto houver sol.

O jantar foi tardio, a moral tinha subido e nada como uma Posta à Mogadouro acompanhada com um bom vinho regional, no Restaurante Estoril, dos simpáticos Lopes.
Quitutes, conforme diz a minha amiga Alda Paulina, Gaúcha-Portuguesa de todos os costados, quando se refere às suas comidinhas Gaúchas. Estas, embora não verdadeiramente comidinhas, são Portuguesas mas inacessíveis, não sei porquê.

Os Lopes são Judeus descendentes de Marranos, (convertidos ao catolicismo forçado no reinado de D. Manuel I.) não sei se Sefarditas (Sefarade, terra do Pôr do Sol assim chamou o Rei Salomão a Espanha e Portugal), pois a história do Judeus na Lusitânia é muito anterior. E também de outras muito posteriores. E a Região transmontana, assim como a Beirã é rica de histórias Judaicas. Conversamos tempos infinitos, aprendi mais coisas.
 
Apresentou-me esta pedra à entrada da sua casa, que segundo entendi, 
quer dizer o mesmo que Bem Vindos.

O frio e o vento que varria a noite e a hora tardia tirou a vontade de ir fazer um ou outro boneco nocturno. Horas de recolher ao Hotel Trindade Coelho com preços razoáveis e bons quartos. E mais uma vez a simpatia a funcionar, desta vez foi uma gentil senhorinha que abriu o bar para um último e muito tardio uisquie tipo novo, velho ou muito. Com ou sem gelo. 

Mogadouro é também a terra de origem de Trindade Coelho, o escritor de repentes, o contista dos Meus Amores. Obra que posso ofertar aos meus queridos leitores. É só pedirem.

Dei-me conta que já deambulei muito. Quero, meus amigos, se tiver jeito para tal, entusiasmar-vos para conhecerem estas terras. Limpas, preservadas, monumentais, arqueológicas, pré-históricas, panorâmicas, gastronómicas, portuguesas.

Muitos pormenores delas publiquei-os em PPS que distribuí pelos amigos. Este escrito será um pequeno complemento. Tomara ter arte e engenho para vos fazer sentir o que senti percorrendo-as. 

E demonstrar à Clara Ferreira Alves que Portugal não é Feio, nem Porco, nem Mau. Aforismo ou não, o meu Portugal não é o dela.

Depois há mais, pois a viagem continuou.