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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

48 - Miragaia - Lendas e História

Diz a lenda que a freguesia de Miragaia deve o seu nome a uma Rainha de nome Gaia, esposa do Rei D. Ramiro, de Leão. (http://www.jf-miragaia.net/historia.htm)
Uma outra versão da lenda, recolhida por Almeida Garrett, miragaiense de nascimento, e publicada no Jornal de Belas Artes em 1845, diz que a Rainha se chamava D. Aldora. Pode confirmar-se em http://www.lendasdeportugal.no.sapo.pt/distritos/porto.htm).
Em comum na verdadeira lenda do séc. X, é o Rei ser casado com a Rainha mas gostar da irmã de um Emir que vivia no Castelo de Gaia. O Rei veio pedir a mão da menina, mas levou nega e raptou-a. O maninho chateado com o negócio, foi por sua vez raptar a Rainha e levou-a para o Castelo. O Rei, furioso, juntamente com o filho, arranjou um estratagema para resgatar a Rainha. Para não alongar o enredo, vamos aos finalmentes como diria o sinhôzinho Malta. Rainha resgatada, mas furiosa pela traição doméstica do Rei, diz que no Castelo é que era maravilha a vida e o amor do Emir. O Rei ciumento mata a Rainha no barco do regresso. Para uns, arrancou-lhe os olhos e disse-lhe pela ultima vez mira, Gaia. Para outros atou-lhe uma pedra ao pescoço e mandou-a para os peixinhos na Foz de Âncora. Lá em Gaia, que hoje é Vila Nova de., mas que não faço ideia onde seja. A net pelos vistos também não.
Mira Gaia deu em Miragaia que entre dois séculos, é vista do Palácio de Cristal, a Ocidente. Miragaia vista desde as Virtudes, a Oriente.
Por altura da lenda, ano 932 da nossa era, a Península Ibérica era ocupada por Cristãos e Mouros. Cale ou Gale, significaria Gaia em romano. Mas que provàvelmente derivou do céltico Gall.E Portus o Porto. O Porto de Gaia, seria a Zona Ribeirinha da actual cidade do Porto. Uma nota informativa: A Ribeira, do Porto, não é só aquele local onde andam os turistas a olhar para a Ponte D. Luíz e para as cervejas. É muito mais extensa e cais não faltavam antigamente e quási todos têm ainda os nomes de antanho. Mas continuando. Neste povoado já existia população que vivia da pesca. E aportavam barcos vindos principalmente do Norte da Europa.
À esquerda, Vila Nova de Gaia, à direita Miragaia. Ao fundo, a Ponte da Arrábida.
O tal Castelo de Gaia estava localizado no morro mais alto de Gaia, voltado para o Rio Douro, e terá sido um Crasto Celta. Foi fortificado pelos Mouros e depois pelos Romanos. Durante as Lutas Liberais, D. Miguel o Absolutista, montou aí a sua artilharia. Do lado de cá, as tropas de D. Pedro IV, o Liberal, Constituicionalista, Rei-Soldado, Libertador, Imperador (do Brasil) - cognomes não lhe faltaram - montaram uma das suas baterias nas Virtudes, num dos altos de Miragaia, que acabaram com as de D. Miguel e o resto do Castelo que ainda existia.
Só para refinar a história. Antigamente, Gaia era uma localidade, Vila Nova, outra. No século XIX as duas fundiram-se e formaram o Concelho de Vila Nova de Gaia, elevada a cidade em Junho de 1984. Actualmente e porque o nortenho é comedido em palavras, a gíria normal é tratá-la apenas por Gaia. Mas continuemos a nossa visita por Miragaia, pois a história faz-se passeando. Ainda do alto do Palácio de Cristal, onde as vistas são soberbas, olhamos para o Palácio das Sereias, nome popular, conquanto se chame da Bandeirinha e/ou também dos Portocarrero. É um edifício mandado construir em 1575 por Pedro da Cunha enquanto a esposa Brites Vilhena tratava do Convento de Monchique, já em escrito anterior referido. No século XVIII passou para os Portocarrero. Aquando das invasões francesas, a populaça tomou a sério o nome da família como estrangeiro e foi-se ao filho e fizeram-lhe mil e uma judiarias. E acabou sem cabeça e nas águas do Douro. Mas há quem diga que foi ao Pai que isto aconteceu. Que para o caso não interessa nada.Já descemos do Palácio de Cristal e estamos na Restauração. Olhamos o Bairro Ignêz, grafia não sei de que século, mas o da sua construção foi em meados do passado XX e destinado a habitação social. Creio que foi o primeiro bairro da cidade do Porto para tal fim.
A descida é óptima por umas escadinhas e entramos na que dá pelo nome de Rua de Sobre o Douro. E como não podia deixar de ser o Rio lá está em fundo. Das traseiras do Bairro então o olhar perde-se de amores pelo que consegue alcançar.
Por entre as ruínas do Convento de Monchique, olhamos o Bairro e as raríssimas Palmeiras da Califórnia, que são sete, nos Jardins do Palácio, de Cristal, claro.
Chegamos à confluência das Freguesias de Massarelos e Miragaia descendo por Monchique.
E no que terá sido em tempos idos a passagem para a Rua de Miragaia, cortada pela Rua Nova da Alfândega no séc. XIX, vamos encontrar maravilhas em edifícios originários de muitos séculos atrás.
100 anos é muito tempo, mas as diferenças são pequenas. À direita é o muro que suporta a Rua Nova da Alfandega. Em baixo, começa a Rua de Miragaia. Mas damos meia volta volver e olhamos para baixo do que é hoje o Largo da Alfandega.
E descobrimos a Fonte da Colher, que estava perdida se não fossem as escavações para a Rua Nova da Alfandega. Diz a história que foi construída em 1491 custeada com parte de um imposto cobrado sobre os géneros alimentícios que passavam pelo entreposto de Miragaia no séc. XV, medido por uma colher (?). Os livros não chegam ao pormenor de nos elucidarem sobre o seu tamanho. Mas sendo Imposto, logo o calculamos. Encontra-se encostada a uma casa, resguardada por uma linda varanda. Ao alto, a pedra tem uma inscrição que mal se percebe.Foi restaurada em 1629 e em 1940.
Retornamos à meia volta e entramos no coração de Miragaia. Não faltam pequenos Bares e Tascas onde podemos tomar a cervejinha da ordem sem frescuras nem aos preços exorbitantes da Ribeira mais a Oriente.
Na parte superior, o eléctrico divide o seu caminho com o dos peões, na tal Rua Nova da Alfandega. A não perder uma viagem desde o Infante até ao Passeio Alegre. E volta.
Justificar completamentePormenores não faltam em casas que já foram palacetes de grandes senhores.
O granito e o ferro em funções arquitectónicas.
Encontram-se muitos recantos escondidos, que só a curiosidade nos leva a descobrir.
O problema maior é mesmo descobri-los.
Passear entre e por baixo deles e imaginar o que por ali se passava antigamente.
Justificar completamenteE as Arcadas conservadas como o são desde há séculos. Regressamos à história, que como sempre nos deixa confusos sobre datas. No séculos XII já seria local importante, mas as contradições existem. Uns dizem que cresceu a partir de Monchique outros que foi das Muralhas. E por causa delas.
Alexandre Herculano escreve em Lendas e Narrativas que nos fins do séc. XIV a povoação trepava para o lado do Olival, isto é, para Norte. Isto revela o crescimento da povoação. Entretanto a vida da pesca foi diminuindo, sendo substituída pela da construção naval. Daqui sairam muito dos barcos para a conquista marítima.Os prédios das Arcadas davam para a praia que a Alfandega veio roubar. Foi uma zona que as cheias do Douro flagelavam, antes de existirem as barragens que nivelam agora as suas águas. Era comum transitar-se apenas de barco por estas ruas. Quando as águas chegavam à chamada Ribeira, já Miragaia estava inundada. E de vez enquando lá volta a contecer.
Mais adiante, no Largo onde se encontra a Igreja de S. Pedro, damos com a Fonte do Bicho, adossada à Casa mandada construir pelo Capitão António José Borges em 1821 e que foi o Hospital do Espírito Santo. A fonte nasce porque ao pedir acesso à agua ela era-lhe concedida desde que a distribuísse pelo povo. O Bicho terá uma lenda associada como seja a de um animal estranho ter aparecido por ali. Presumo ser Júlio Couto que escreve no sítio da Junta de Freguesia, mais não lhe parece que um simples golfinho.
Nesta casa nasceu em 11 de Agosto de 1744 o poeta Tomás Antônio Gonzaga, filho de mãe Portuguesa e Pai Brasileiro. É o poeta Dirceu. Entre Portugal e o Brasil faz estudos e a sua vida profissional. É acusado de conspirar na Inconfidência Mineira. Degredado para a Ilha de Moçambique, lá acaba por casar e exercer actividades profissionais para a coroa Portuguesa. Morre em data desconhecida no ano de 1810. É patrono da cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras. Recomendo a leitura da sua biografia em http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u418.jhtm e em http://pt.wikipedia.AntonioTomasGonzaga.
Desde a Bandeirinha uma vista sobre a Alfandega com Vila Nova de Gaia em fundo
Do mesmo local mas voltados para Monchique.
Mas Miragaia tem muito mais Histórias e Lendas. E as da sua Igreja não serão esquecidas. É já a seguir.
Bons passeios.

domingo, 17 de outubro de 2010

47 - Miragaia, os Arménios e S. Pantaleão

Voltamos a Miragaia para tentar ilustrar a história dos Arménios e a Lenda de S. Pantaleão. Mas é preciso muito cuidado, pois há coisas recentes, escritas por quem sabe. E eu só sei de caminhos e andanças. Melhor mesmo, para quem estiver interessado nestas vidas, é ler teses apaixonantes, cujos caminhos indicarei na altura devida.
Mas vamos começar por um lado e "ós pois" logo se verá.
Miragaia tinha nos seus remotos tempos e até ao séc. XIX, uma praia no rio Douro, provavelmente com um bom porto, onde já os Romanos ancoravam. Mas como toda a margem direita tinha bons ancoradouros, antes talvez os Celtas, Iberos, Fenícios, Gregos, Cartagineses também por aqui tenham poisado e comercialisado. À esquerda na foto, a Alfandega Nova que comeu a praia. Claro que a Rua (Nova da Alfandega) também, ao mesmo tempo que cortava e interrompia a Velha Rua de Miragaia, que vinha lá de Monchique.
Uma foto de há 100 anos de Arnaldo Soares (ou de Alberto Ferreira) mostra-nos praticamente esta parte de Miragaia, tal como é hoje. As casas sobre as arcadas eram residências pertença de uma certa burguesia. Que a partir dos anos 60/70 do século passado foi sendo desalojada para a instalação de escritórios e armazéns dos agentes comerciais ligados ao transito alfandegário.
Isto vem ao caso para lembrar que a Cidade do Porto teve desde "antiquissimamente" (palavrão que o portuense gosta de ter na sua gíria) um forte relacionamento marítimo-comercial com a Europa do Norte e depois com o mundo oriental.
Por alguma razão os Descobrimentos Portugueses tiveram nesta cidade o seu impulso. Dos estaleiros portuenses saíram muitos dos Barquitos que andaram à séria por esse mundo fora a partir do séc. XIV. Mas muito antes já frotas tinham seguido por rios e mares, que para além do comércio, aproveitavam para dar cabo da cabeça a mouros e a simpáticos piratas que lhes apareciam pela proa.
Ora sendo assim, conhecendo a fama da Cidade, um grupo de comerciantes Arménios (e também Gregos, segundo uns), fugidos das perseguições de Constantinopla, aportaram em Miragaia em 1453, onde se refugiaram. Nota à parte: Sabemos que desde a antiguidade os Arménios foram sempre perseguidos. Na primeira vintena do séc. passado, mais de um milhão foi massacrado e tantos outros refugiaram-se pelo mundo. Argentina e Brasil terão as maiores colónias de emigrantes Arménios. Portugal teve a sorte de acolher Calouste Gulbenkian; a França, Charles Aznavour e a família de Alan Prost, e por aí fora. Relativamente recente, temos a separação da Arménia da antiga URSS. Finalmente País Livre ?.
Em algumas ruas da freguesia ficaram registadas na sua toponímia a paragem dessas gentes.
Rua da Atafona é uma recordação Arménia. Mas também se mistura com Hebreu. Na primeira língua quer dizer Engenho de moer grão em seco; na segunda quer dizer Mó. Mas como a região foi local das duas culturas - e não esqueçamos que não muito longe ainda existe a Rua e Travessa do Forno Velho, logo uma ligação Judaica não será de desprezar. Mas hoje interessa-nos percorrer estas ruas de empedrados e altos muros que nos fazem sentir pequeninos.
Voltemos à direita pela Rua da Ancira que vai dar à Igreja de S. Pedro de Miragaia. Em Português arcaico quer dizer, gancho, âncora.
Mas Ancira escrevia-se Ancyra no tempo dos romanos e correspondia a Angorá (belíssima lã extraída do pêlo de uma ovelha muito comum nesta região) ou Ancára actual, no Centro da Anatólia e hoje Capital da Turquia. A opinião da maior parte dos meus investigados crêem que é mesmo uma homenagem (e saudade ?...) dos Arménios à região de onde terão partido.
Não esqueci S. Pantaleão. Mas antes e porque também é passeio e recordação, é bom percorrer a Rua Arménia.
É uma rua um pouco sinuosa, comprida, que parte das traseiras, ou ao lado, como se queira, da Igreja de S. Pedro de Miragaia e vai dar ao largo que tem o nome de um Miragaiense famoso, Artur Arcos. O largo tem a Fonte de Hulsenhos e o Restaurante Francesinhas na Pedra. Mas isso fica para outras viagens.
O pormenor desta Travessa é lindíssimo. Embora cortado na fotografia, pois estava em obras, abre-se uma janela para a rua, que mais não é do que uma serventia entre as duas paredes, de uma casa. Aliás como algumas outras que há por esta zona.
Nesta velha foto temos o pormenor completo. Diz o Postal que é a Travessa da Rua Arménia. Francamente na toponímia actual não encontrei este nome. Será a Viela da Baleia ? Atenção amigos Miragaienses e não só, fico à espera da vossa informação, porque esqueço-me sempre de tomar notas.
Vamos então a um tema riquíssimo. S. Pantaleão. Foi um médico que teve apenas 23 anos de vida, convertido ao cristianismo e por causa disso, foi torturado e decapitado em 303 em Nicomédia, na Ásia Menor.
Diz a Lenda - ou não o será - que os Arménios transportaram as suas relíquias e quando chegaram a Miragaia (em 1453) foram depositá-las na Igreja de S. Pedro. Continuando pela história, as relíquias foram guardadas num cofre de prata, oferecido pelo Rei D. Manuel I, cumprindo a promessa de D. João II. Estas relíquias foram trasladadas para a Sé do Porto em 1499 por ordem do Bispo D. Diogo de Sousa, ficando sepultadas na capela do Altar Mor. Aquando das Lutas Liberais, as relíquias desapareceram. No diz-se-disse, alguém disse que sabia quem as tinha. Pronto. Acabou. (ver História no sítio http://www.jf-miragaia.net/ )
S. Pantaleão acabou por ser durante 5 séculos Padroeiro da Cidade.
Mas entretanto, na Igreja de Miragaia, está uma parte da relíquia, a mão direita do Santo, transformada em peça de ourivesaria.
Mas para confundir mais as coisas, no Museu Nacional Soares do Reis, encontra-se a cabeça igualmente transformada em peça de ourivesaria.
O museu abriu a cabeça em 1999 e foram realizados estudos incluindo coisitas que se encontravam lá dentro: Têxteis, fragmentos de osso e dentes, papeis. Publicou um livro sobre o tema, que custa €25.
http://mnsr.imc-ip.pt/pt-PT/loja/Loja_Publicacoes/ContentDetail.aspx?id=529 para os interessados lerem a introdução.
Mas há quem diga que foi tudo uma grande golpada. S. Pantaleão e as suas relíquias, parece que passearam por Venesa e Roma e por muitos outros locais. E aparecem no Porto sem mais nem menos 1.000 anos após a sua morte.
O Porto precisava de uma "imagem" como a de São Tiago, na Galiza e São Vicente em Lisboa. Só para falar nas proximidades. Então há que criar um caso. Para maior reconhecimento e benefício desta cidade já muito divulgada no mundo ?
Entretenham-se a ler
SÃO PANTALEÃO «DO PORTO»: UM PARADIGMA DE INVENÇÃO DE RELÍQUIAS EM
FINAIS DA IDADE MÉDIA.
E pronto. É assim Miragaia. Mas haverá mais se tudo correr bem.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

47 - Miragaia e a Judiaria

Tem esta bela freguesia da nossa Cidade do Porto, muitas estórias e lendas. Talvez a mais antiga seja a que envolve o Rei Ramiro, o Castelo de Gaia, o Mouro e a Bela Princesa de nome Mira e por aí fora. Mas a história é história e é baseada nos vários escritos dela que proponho este passeio. Miragaia (de Baixo) foi um pequeno aglomerado populacional que nasceu a partir do rio, já referido documentalmente no séc. X, como sendo um local onde atracavam os romanos vindos do Norte antes de seguirem viagem para sul. Quando as gentes da Cidade se voltaram para ocidente fazendo-a crescer fora das muralhas Suevas ou Primitivas, Miragaia cresceu também, subindo o morro. Para os lados de Monchique. Referencio estas muralhas que existiram em torno de Sé, enquanto os arqueólogos não se pronunciarem sobre outras possíveis muralhas que parece terem havido antes desta. Porque as Muralhas, todas elas, tiveram um papel preponderante na vida e expansão da cidade. E Miragaia continuou a crescer mesmo fora das posteriores Muralhas Fernandinas do séc. XIV. Mas o nosso passeio de hoje tem dois começos e um fim comum. Os Judeus de Miragaia.
Comecemos então por um lado tendo como referência a Rua da Restauração, nas traseiras do Palácio de Cristal que fica bem lá no alto de um imenso morro, que muitas vezes escalei quando "chavalo" para entrar de borla, e olhamos para Monchique e para as ruínas do seu extinto Convento, construído no séc. XVI. Ah, a bela-triste história dos amores de Simão e Teresa e da pobre Mariana, enredo apaixonante de Camilo Castelo Branco no seu best-seller Amor da Perdição, escrito em 1862 no Aljube (Cadeia da Relação) e do qual faz parte o velho Convento.
Ora este Convento foi erigido no local onde existiu uma Sinagoga até pelo menos 1386 e que terá sido a terceira da Cidade. Posteriormente, os terrenos foram doados em 1410 por D. João I aos Coutinhos, cujas origens nobiliásticas eram muito antigas. Nestes terrenos foi construída uma casa para residência, mas as leis do Porto não permitiam presenças fidalgas na Cidade para além de um pequeno período por ano. Acabou por ser construída na clandestinidade e para a legalizar demorou dezenas de anos, que nem as "cunhas" do Rei tiveram força para dar contorno à lei. Outros tempos...
Para já continuemos a fixar-nos no Convento. Descendo a Rua de Sobre o Douro podem visitar-se as ruínas pois a proprietária actual (Sociedade Clemente Meneres) permite-nos esse prazer. Que é relativo, claro, na minha opinião. Diz-se que será um novo hotel em breve. Para já não se percebe nada que o indique. Mas sigamos. Já no reinado de D. Manuel I e os judeus expulsos da região para a Vitória, e logo a seguir de Portugal, os tais Coutinhos, descendentes dos outros, conseguiram que a casa fosse legalizada, mas não autorizados a viver nela, e destinaram-na a um Convento. Pelo menos, uma parte. O que conseguiram, com cunhas do Bispo.
Sobre a Sinagoga, não há registos. E dos poucos achados arqueológicos, relativamente recentes, um foi preservado. É uma inscrição em hebraico numa pedra, mantida na Capela/Igreja do Convento e transladada para o Museu de Arqueologia (?) no Convento do Carmo, em Lisboa.
Depois da extinção das ordens religiosas, no século XIX, pouco sobrou. Sabe-se que a Capela ou Igreja, construída em 1535, era uma preciosidade em talha dourada, equiparada à das Igrejas dos Conventos de Santa Clara e de S. Francisco. Desmantelada, foi um altar para a Igreja de S. Mamede de Infesta, outro para a Igreja de Massarelos e outro para a de S. Pedro de Miragaia. Do resto nada se sabe. Coisas à moda do Porto.
Passemos agora a outro percurso para iniciar o segundo começo, pois a história faz-se de caminhos. Saindo do Largo do Viriato, toponímia que passou a vigorar apenas em meados do séc. XIX, entramos na Rua da Bandeirinha, antes conhecida pela Bandeirinha da Saúde. Desde o séc. XVII. Já lá iremos.
Passando por várias casas que foram habitadas ou berço de ilustres individualidades da cidade, encontra-se o Palácio das Sereias, ou da Bandeirinha ou dos Portocarrero, nome dos penúltimos proprietários, por eles adquirido aos Cunhas e Vilhenas. (A senhora Vilhena foi quem mandou construir o Convento de Monchique) . Hoje pertença de uma irmandade religiosa. Construído no séc. XVI, vamos deixar a sua história para outra altura.
Pela esquerda continua a Rua da Bandeirinha, que nos vai levar à história original dos Judeus em Miragaia. Até ao século XIII viviam os Judeus dentro da Cividade (a zona junto à Sé - Morro de Pena Ventosa - demarcada pelas muralhas primitivas) ou a ela chegada, mas a partir dessa altura foi proibido alugar ou vender-lhes propriedades. Isso levou-os a partir para Miragaia.
Ao fundo da Rua um largo onde se encontra a Torre da Saúde, construída no séc. XVII, que sinalizava a entrada dos barcos no Douro e também para efeitos de controle sanitário.
À direita temos a frontaria do Palácio, com grande destaque para as Mamudas (As Sereias) que ornamentam lateralmente a porta de entrada. Velhas estórias sobre elas e quem as sabe contar é o Hélder Pacheco.
Uma foto de há mais de 100 anos, da autoria de Arnaldo Soares ou de Alberto Ferreira.
Dito por uns, este foi o local onde existiu o Cemitério Judeu. Mas outros crêem que terá sido no final da Calçada das Virtudes, próximo da Igreja de S. Pedro de Miragaia. É muito para lá, a oriente. Quer dizer que a história faz-se depois, relacionada em palpites e não em documentos precisos. Porque os não há. E a arqueologia nem sempre é presente. E cada historiador tem direito ao seu parecer. Adiante.
Certo é que os Judeus ocuparam este Monte, a Escarpa da Bandeirinha (na altura, não sei como lhe chamavam), hoje há as Escadas das Sereias, subindo desde a "Praia" (onde está a Alfândega Nova) e estendendo-se até Monchique para ocidente. A confirmá-lo há os documentos do Cabido de 1380 referentes à cobrança por terrenos a algumas famílias judaicas. Reproduzo conforme li. Porque não a todas as famílias ? Será que o Cabido não era dono de todos os terrenos? Adiante.
O único legado, eu diria lembrança, da Judiaria de Miragaia que aqui existiu até à sua mudança obrigatória para a Vitória em 1386 por ordem de D. João I, é a toponímia. São ruas, travessas e escadas estreitinhas. Aliás o que era normal na idade média. Francamente, lendo aqui e acolá e percorrendo as várias vias de hoje, parece que o espaço da Judiaria seria enorme, e não tão só Monchique e Bandeirinha.
A Rua do Monte dos Judeus começa a uma dezena de metros da Bandeirinha. O tal local onde existiria o cemitério Judaico. Segundo uns.
E prolonga-se para Oriente. Até aos Cidrais.
Um documento de 1410 refere que foi dada autorização a Gil Vaz da Cunha para construir umas moradas no pequeno monte em que tinham habitado os Judeus e onde existia uma Sinagoga abandonada. Ora isto era em Monchique que fica um pedaço de caminho para ocidente.
Mas também é verdade que as demarcações urbanísticas de há 600 anos são muito diferentes das de hoje. E o que vale agora é a divulgação destes "novos" caminhos, sentir a sua vivência antiga - eu sinto e por isso os percorro - e olhar o que nos rodeia. Esta foto é do início (ou o fim, conforme as percorramos) das Escadas do Monte dos Judeus.
Logo a seguir estamos nos Cidrais. Nome que deriva de Pomar de Árvores Cidreiras, de cujo fruto se extraía uma bebida que substituía o vinho, por quanto - e no enquanto - as vinhas não eram (foram) muito vulgares nos tempos dos romanos e da Alta Idade Média. Vale a pena deter-mo-nos e olhar à volta.
O entroncamento e cruzamento de ruas. Casas características dos séculos XIV a XVIII, guardando ainda resquícios desses tempos, mas que durante a sua recuperação não terão sido salvaguardados.
Descendo as Escadas, logo à esquerda encontramos um largo. Nele está uma fonte do séc. XIX, trasladada do antigo Mercado do Peixe, onde é hoje o Palácio da Justiça. No sítio da Junta diz que está em restauro. Refiro não saber se o restauro já está completo. Desde há 3 anos que vejo a Fonte mais ou menos como está. É verdade que agora escorre uma gota de água por um buraco na parede. Mas não sou bom nestas coisas. E a Junta é quem sabe.
O largo é lindo, com a fonte, árvores, bancos e roupas estendidas com bom cheiro a lavado. Mas num cantinho há lixo. Restos de persianas, latas de tintas, pedras e tijolos partidos, etc. - que raio de povo este sempre pronto a emporcalhar o que não deve -. E também se vêm pedras dispersas a fazer lembrar coisas antigas. Penso eu. Na dúvida e tentando matar a curiosidade, escrevi à Junta de Freguesia, enviando esta foto pedindo uma informação. Ora isso foi em meados de Maio e até hoje...
Convido a uma paragem, sentar num dos bancos, puxar de um cigarro e deixar o olhar percorrer Miragaia. É um prazer. Que para ser completo, mesmo, mesmo, era ter a companhia de uma cervejinha.
Na saída aberta no muro à direita, por cima, a pedra que une as ombreiras tem uma inscrição. Não sei em que língua. Infelizmente a foto em que a tentei gravar "pirou". Mas creio ser uma inscrição hebraica.
É a hora de voltar a percorrer as ruas e escadas, por entre muros e séculos de história.
Aqui chegados vindos pelas Escadas dos Judeus, estamos próximos do Centro de Miragaia. Viríamos cá ter na mesma, mais metro menos metro, se optássemos descer por Monchique ou pelas Escadas das Sereias.
Mas isso são outras viagens que prometo para breve. E já agora fica uma recomendação para os viandantes: Miragaia não se conhece num dia e as caminhadas façam-nas de cima para baixo. A não ser que gostem de desportos radicais. Mas para esses, recomendo a subida anual dos 250 degraus dos Guindais.
Nota final: São muitos os sítios percorridos para coligir estórias da história. Como sou muito despistado, raramente me lembro de registar onde li ou vi algo de interessante. Por vezes aparecem-me várias opiniões sobre o mesmo tema. Aí quero, ou pelo menos tento, confirmar in loco. Para conhecer e ser o mais fiel possível. Por essas andanças descobre-se sempre uma coisa nova. Por isso as fotos publicadas podem diferir entre si meses.
E há sempre os amigos, tanto ou mais apaixonados do que eu pela nossa Cidade, que deixam mais uma informação preciosa. Afinal, a Cidade do Porto é uma Paixão.