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quarta-feira, 6 de março de 2013

152 - Da Adega do Olho à Cadeia

Este passeio, contra o meu hábito, foi feito de baixo para cima o que quer dizer, sempre a subir. Pela Rua dos Caldeireiros. Mas faz-se bem, desde que seja com muitas calmas e paragens. E motivos não faltaram mas só para lembrar coisas antigas, pois esta Rua antiquíssima está fora dos roteiros turísticos. 
O Mapa do itinerário e a localização, sempre conveniente para os amigos que nos visitam. Na ponta centro-direita, refere-se onde começou a "aventura".
 
Pois foi na Adega do Olho, após um almoço simples mas abundante e económico. De Adega ou Tasca já não tem nada, é um restaurante pequeno e acolhedor, com uma ementa de dois pratos. Diz quem sabe, que as Tripas à Quinta-feira são um espectáculo.
Fica numa reentrância da antiga Travessa da Rua das Flores, hoje chamada de Afonso Martins Alho, esse mesmo, o do comerciante e embaixador que deu nome ao provérbio "Fino como um Alho".
Recordação: entrei na Adega a primeira vez com os Viscondes - rapaziada da minha Rua do Visconde de Setúbal, lá no Marquês e seríamos uns 10 - na noite de S. João de 1960. E para tomar uma coca-cola da CUF. Juro que nunca mais provei essa porcaria.
Então, vamos à vida.   

Estava a precisar de mercadoria e logo ali a dois passos, na esquina com a Rua das Flores abasteci-me na antiga mercearia (esqueço sempre o seu nome) com uma boa garrafeira e a preços muito bons.Um dos artigos que costumo comprar são os velhos rebuçados S. Brás, de eucalipto e mentol.
  
A Rua dos Caldeireiros começa agora na Rua das Flores e só tem 325 metros até à Cadeia. Foi itinerário romano (de quem vinha do Norte e passava por S. Mamede), atravessava a ponte de pedra que cruzava o Rio da Vila, agora encanado, na actual Mouzinho da Silveira e seguia para as Ruas do Souto e Bainharia. (Itinerário das Vias Romanas de Portugal - http://viasromanas.planetaclix.pt/ ).
Quem sobe, à esquerda, (na foto à direita) ainda encontra os vestígios do Hospital Roque Amador ou Rocamador/D. Lopo de Almeida, fundado pela Misericórdia no séc. XVI e que deixou de funcionar após a abertura do Hospital de Santo António. 
Chamou-se Rua do Souto - a continuação da Rua que vem da Sé -, da Laje ou Lajens ou ainda Lágea segundo escritos de séc. XVI e que seria o troço superior da rua; e Ferraria de Cima. Tomou o nome actual em ou até antes de 1780, embora se encontrem escritos de 1616 com a designação de Rua da Caldeiraria. (in Toponímia da Cidade do Porto, Câmara Municipal).

Nesta Rua, principalmente na sua parte inicial e por umas dezenas de metros existiram várias oficinas de caldeireiros que trabalhavam e fabricavam  variadíssimas peças como alambiques, caldeiras, panelas para doces (na altura das Festas da Páscoa e Natal eram as mais fabricadas principalmente para as grandes confeitarias), fogões, cilindros, louças, etc. Não só em cobre como em folha flandres e outro material ferroso.

O barulho era ensurdecedor, mas dava-me um prazer muito grande passar por estas oficinas onde as peças eram batidas às portas e ficar a olhar.

Hoje não existe nenhuma. A última fechou há pouco tempo, onde um dono "carola" já de uma certa idade, mantinha-a aberta só para não morrer de saudade.
Fala-se e escreve-se muito sobre as belas e tradicionais Varandas em Ferro da Rua das Flores. Pois eu afirmo que esta Rua tem varandas lindíssimas que nada ficam a dever-lhes. E muitas frontarias mostram azulejos de bom gosto. 

A antiga Adega Vila Meã do velho (salvo seja) Armando, depois de várias transformações está um bonito restaurante. Com a sua gentileza habitual, deixou-me entrar para olhar a casa e fotografar. Fica para depois o resto da história. Passavam das três horas da tarde e ainda tinha comensais. Bom sinal.  

Cá estamos de volta à Capela de Nossa Senhora da Silva. Curiosamente nunca tinha reparado na imagem que se encontra na esquina do prédio, que eu suponho ter albergado o antigo Hospital de S. João Baptista. Não sei nem li nada sobre o que representa. 
Como curiosidade - estamos sempre a aprender e ainda bem - a confraria de Nossa Senhora da Silva foi inicialmente instituída em 1593 pelos artífices ferreiros, ferradores e anzoleiros (fabricantes de anzóis ?) que tinham as suas oficinas na Ferraria de Baixo, hoje Rua Comércio do Porto. Só seis anos mais tarde, os da Ferraria de Cima se reuniram para a elaboração do compromisso que tomaram também sob a protecção da Senhora da Silva. Os estatutos da Confraria foram reformados em 1682.
Também o Hospital de S. João Baptista, que funcionou primitivamente em Cimo de Vila, foi fundido em 1685 com o de Santa Catarina, que funcionava junto da Igreja de S. Nicolau e administrado pelos da Ferraria de Baixo, passou para este local, mais propriamente na Rua de Trás numa casa que tinha comunicação com a sede da Confraria, aqui nos Caldeireiros. (Respigado do livro Porto, Histórias e Memórias, de Germano Silva).

Na rua funcionaram para além de algumas Tascas ou Adegas, casas comerciais de certa importância. Uma delas era a Casa das Lâmpadas, desactivada talvez há uns 5 anos. Também a Casa das Borrachas e o Xavier cangalheiro, ao qual aliou o ramo da ortopedia. Por isso a brincadeira dos nossos tempos de jovem, quando nos sentíamos mal de alguma coisa, vai ao Xavier que ele resolve. (recuperar dos mortos para vender aos vivos...) 
Uma panorâmica a  meio da Rua.

Outra recordação. A Casa Francisco de Carvalho & Irmão, que ainda existe. Fornecedor de paramentos e artigos religiosos, tinha - não sei se ainda têm - uma sirgaria onde muitas vezes ía encomendar e comprar, para a gráfica onde trabalhava, fio em seda aplicado como pendurantes de calendários, convites de luxo, etc. Mantém o mesmo aspecto de há 50 anos. 

Parte dos Caldeireiros a Rua da Vitória. (Olá camaradas Teixeiras, estou na vossa zona da juventude).  Há cerca de 2 ou 3 anos passei por aqui e chamou-me a atenção um edifício que estava a ser restaurado. Disse-me na altura um senhor que presumi ser o arquitecto responsável pela obra que  seria uma unidade hoteleira. Voltei agora a entrar e conversa daqui, conversa dali com uma senhora que julgo ser a recepcionista, acabei por descobrir que é as traseiras do Palacete dos Maias cuja fachada está voltada para a Rua das Flores.
Do varandim uma vista meio encoberta do Morro da Sé.
Este palacete, que segundo informação está quási recuperado interiormente, incluindo os Jardins, mas falta a fachada da Rua das Flores, é um edifício do séc. XVI mandado construir pelo fidalgo Martim Ferraz, ( daí também ser conhecido por Ferrazes, ou Ferrazes Bravo) descente de uma família nobre de Entre Douro e Minho. Remodelado ao longo dos séculos, teve uma capela riscada por Nicolau Nasoni, revestida a talha dourada, mais tarde recolocada na capela da Quinta do Vale Abraão em Lamego, pertença dos mesmos proprietários.
No séc. XIX foi vendido a Domingos de Oliveira Maia, director do Banco Comercial do Porto. Uma curiosidade, este senhor fez parte da comissão para o levantamento do Monumento a D. Pedro V e mandou construir as casas da Rua do Passeio Alegre. (Quais não sei). 

Outro armador antigo ainda funciona. No meu tempo da juventude e não sei até quando, no edifício funcionava um "aluguer de quartos". A sala de espera era nas escadas que levava ao primeiro andar e para os mais íntimos podia-se tomar uma cerveja na cozinha. Aqui levei um susto da polícia, que ficou com história famosa. Mas isso para o caso não interessa nada.

Mais uma perspectiva da Rua.

Entramos na parte final da Rua e à esquerda a íngreme Rua do Ferraz que vai dar à Rua das Flores.

Pormenor de um altar, no correr das últimas casas do lado esquerdo.

E estamos no fim da Rua, no Largo Mártires da Pátria, com o imponente edifício da antiga Cadeia à vista. Não percam, caros amigos, uma visita a este edifício. Além de exposições temporárias tem em permanência o Museu da Fotografia. E claro, o próprio edifício em si. 
Até Breve.  




16 comentários:

  1. Mestre Jorge Portojo, mais uma bela lição de saberes vários que se vão entrelaçando e prendem,com o auxílio das magnificas fotografias, prendem, dizia, o leitor num crescendo de interesse.
    Sobretudo pessoas que como eu conheceram há quarenta anos a Invicta, recordam com emoção os tempos dessa juventude vivida,sem preocupações de qualquer espécie, sem medos nem receios, temendo apenas e só o aproximar da ida obrigatória para a guerra colonial!
    Há já algum tempo que não recebia nada do mestre Portojo, se excluir a reportagem sobre os Combatentes em Gondomar! E se nisso aqui falo, foi, não só por não ter conseguido comentar na própria reportagem, mas também para enaltecer a desenvoltura das palavrs assertivas que o Jorge Portojo escreveu sobre o edil que botou faladura junto ao monumento dos Combatentes!
    Um abraço de parabéns, estima e amizade, pelos magníficos trabalhos que tens desenvolvido em prol da cidade do Porto!

    Vasco Augusto Rodrigues da Gama

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    1. Caro Cmdt Vasco. Estranho não teres recebido as minhas coisas. Não têm sido muitas, é verdade, embora parece inatividade, mas não é. Cada dia que passa estou mais chato e por isso demoro muito a fazer qualquer coisa. Vai seguir email.
      Um abraço do
      Jorge

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  2. Mais uma vez parabenizo-o pelo excelente trabalho.
    Para quem nunca visitou a cidade do Porto, é uma oportunidade de conhecer algo, massageando assim a vontade de conhecer esta belíssima cidade que encanta a todos.
    Para nós brasileiros, é sempre motivo de satisfação se falar ou ouvir explicações, relatos ou outra coisa que fala sobre a história e o dia a dia do povo português.
    Assim, tu demonstras o grande conhecimento e a profundidade de informações que possuis
    A tua expontaniedade em divulgar o teu país, a tua cidade ao mundo merece nosso aplauso e nossa admiração!
    Meus votos sinceros de uma continuidade sempre feliz de tuas divulgações.
    Aqui deixo o meu abraço

    A amiga e admiradora

    Elci Teixeira

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  3. Muito bem explicado este percurso...
    Valeu o almoço na Adega do Olho.
    Espero pode-la visitar um dia, para saborear o belíssimo prato das "tripas à moda do Porto", que não como há cerca de 35 anos.
    Parabéns amigo Jorge (Portojo).
    Um abraço cá do Algarve.

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  4. Já fiz este percurso algumas vezes e quase que o fiz ontem quando fui ao CPFotografia. Aproveito assim para publicitar a exposição que lá está agora, que é fantástica "Català – Roca, Obras-primas", grande fotógrafo. http://www.cpf.pt/exposicoes.htm#t3

    Ana Rita

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    1. Sim, eu vi a exposição do Catalão.
      Gosto muito do p/b.
      Um abraço Ana Rita

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  5. Era evidente que depois da ida à Adega do Olho, só te podia levar à Cadeia. A tua sorte é que já não se pode pernoitar lá.
    A coca-cola da CUF em 1960 chamava-se Canada-Dry e era uma pseudo-Coca-Cola, porque esta era proibida, e tinha o nome de Spur-cola, para quem não saiba.
    Caro Portojo Teixeira ou Jorge, aquela é de facto, "uma" das zonas da minha juventude, morei por cima do Xavier cangalheiro, no Campo Mártires da Pátria, (Campo e não largo) aonde da varanda tinha o privilégio de assistir ás artimanhas dos "propagandistas da banha da cobra", alguém se lembra?
    Na Rua das Flores, havia um amigo de meu pai que trabalhava na Cª Velha, eu garoto e maroto, ia lá de vez em quando visitá-lo, na esperança de trazer algumas miniaturas de Vinho do Porto que ele nos oferecia, nunca falhava.

    Ah! a mercearia na dita rua é do Meneses. Bons tempos.
    Um abraço
    cumprim/jteix

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    1. Caro J.Teixeira,
      Amigo, camarada e Presidente.
      Ponto 1 . A Canada Dry era tipo schuepes, a gasosa vulgar.
      Ponto 2. Acho que a coca-cola CUF era isso mesmo, a Spur Cola. Não tinha nada a ver com a gasosa.
      Ponto 3. Está explicado ou queres o desenho ?
      Ponto 4. O Largo, ou Campo como muito bem dizes, agora já não o é. Penso eu de que...
      Creio que se chama Camilo, Amor da Perdição, não sei bem.
      Ponto 5. Já viste a estátua do Camilo a apalpar as nalgas a uma marquesa ? A foto já está no meu FACE.
      Prontos, já está, como dizia a Adelina
      Um abraço

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  6. Caro Jorge Portojo,

    A imagem, que é tão bela e tão ingénua, que está esculpida na esquina junto à Capela de Nossa Senhora da Silva, representa o arcanjo S. Miguel, vencendo o demónio sob a forma de dragão. Pode conferir, por exemplo, aqui:

    http://www.portopatrimoniomundial.com/1/post/2013/02/curiosidades-marcas-na-pedra-da-mitra-e-do-cabido.html

    Vale também a pena referir que há uma outra e valiosíssima imagem de Nossa Senhora da Silva na Sé Catedral, a qual terá sido assim chamada por ter sido encontrada no meio de umas silvas, segundo diz uma lenda. Desconheço se existe alguma relação entre as duas imagens, a da Sé e a dos Caldeireiros, para além da coincidência do nome.

    Não sei se durante o seu passeio subiu ao primeiro andar e entrou na Capela de Nossa Senhora da Silva propriamente dita. Eu entrei uma vez e fiquei espantado com a pequenez da capela, equivalente à de um quarto de dormir! Não pude deixar de pensar: «A capela é tão pequena que tiveram que pôr o altar na varanda, senão ninguém caberia aqui dentro...»

    O Largo Amor de Perdição é apenas a parte da Cordoaria que fica junto à Relação. O resto continua a chamar-se Campo dos Mártires da Pátria e o jardim propriamente dito continua a ter o nome de Jardim João Chagas.

    Os anzoleiros eram, com efeito, os fabricantes e vendedores de anzóis.

    Um abraço de agradecimento pelo seu notável esforço de divulgação da cidade do Porto.

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    1. Caro amigo Fernando Ribeiro,
      Obrigado pela sua oportuna informação sobre a imagem de pedra junto à Capela de N. S. da Silva.
      É mais uma fonte de pesquisa o site que me enviou.
      Na realidade conheço e creio que fotografei se não todos, quási todos os símbolos da Mitra na Rua das Flores.
      Conheço também a imagem da Senhora da Silva que está na Sé. Aliás, essa como a de Nossa Senhora de Vandoma são sempre referidas aos amigos que nos visitam, bem como as suas histórias. Verdadeiras ou não fazem parte do nosso patrimónico.
      Receba um abraço de amizade, caro amigo Fernando Ribeiro.

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  7. Obrigado Jorge. Mais um belo trabalho fotográfico. Aprecio a tua sensibilidade para pormenor.
    Abraço amigo,
    José

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  8. Caro Jorge,
    Domingos Oliveira Maia, em 1855, mandou construir para sua moradia de Verão “A Casa Mourisca”, na Rua do Passeio Alegre, Foz do Douro.
    Abraço do
    António Tavares

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    1. Caro amigo e camarada Tavares. Um Fozeiro de gema tinha de saber qual a casa do Maia. Presumi que deveria ser uma daquelas casas belíssimas do Passeio Alegre mas pessoalmente não gosto da Casa Mourisca. Pergunto agora: Porque os meus emails para ti vêm sempre devolvidos ? Espero que estejas bem de saúda, querido amigo. Um abraço do Jorge

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    2. Maria José Pinho Miranda2 de maio de 2013 às 17:08

      Boa tarde
      Achei curioso ter encontrado, por acaso, a nota de António Tavares sobre a Casa Mourisca na Rua do Passeio Alegre. Gostaria de lhe acrescentar mais história. Essa casa estava desabitada e em ruínas (julgo que terá tido como causa um incêndio) quando o meu avô, David Amador e Pinho, a adquiriu por volta de 1935. Restaurou-a por completo, tendo-lhe acrescentado, entre outros belos pormenores, um interior recheado de belos painéis de azulejos do séc. 18 referenciados em obras tais como "Azulejos do Porto". Com o bom gosto e o conhecimento de história da arte que ele possuía, tornou-a num belíssimo palacete que, após a sua morte em 1971, foi alugado a um colégio. Continua na posse dos descendentes(minha mãe)de David Amador e Pinho e foi nesta casa que eu tive a felicidade de nascer e viver toda a minha infância até à idade adulta.
      Gostei muito de poder partilhar esta informação.
      Maria José Pinho de Miranda

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    3. Boa noite, Maria José de Pinho Miranda.
      Agradeço-lhe imenso a sua participação. Espero que o meu amigo António Tavares a leia, pois um fozense como ele muito a irá apreciar com certeza.
      Tenho um amigo que estudou nesse colégio, presumo que ainda é, mas com outras características.
      Gostava de fotografar a casa - embora pessoalmente não goste da sua arquitectura exterior, mas isso é outra coisa - mas somos, os amadores, olhados com muita desconfiança.
      Muito obrigado pela sua colaboração
      Jorge

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