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terça-feira, 17 de novembro de 2015

232 - Memórias de uma viagem - Sintra, Parte II

Continuando as memórias agora em segunda parte, (o tempo não me permitiu adiantar) descemos da Pena ao final de tarde com duas preocupações: conseguir alojamento para pernoitar e ver o jogo do Porto-Chelsea. Se pensam que é fácil arranjar alojamento em Sintra, desenganem-se. Não façam como eu que saí da "terrinha" e pela primeira vez na vida sem marcação para dormir.
Depois de muitas voltas e de entrar em hotéis e residenciais ao longo do caminho, arranjavam-se quartos num Hotel próximo da Estação a 100 euros ( sim, cem euros, não é engano).
Uma informação de um taxista levou-nos a uma residencial acolhedora por 50 euros a dormida, sem pequeno almoço, também próximo da Estação.
Assunto resolvido, foi largar as malas e avançar para um restaurante tentando ver o resto do jogo pois meia parte já tinha sido. Pouco abaixo da residencial dois restaurantes: Um, cheio de curiosos do jogo, com uma ementa pobre e cara. Logo a seguir outro com a mesma ementa e preços, vazio de clientes.
Desconfiados, fomos caminhando no sentido do centro da Vila pelo lado esquerdo da linha ferroviária, próximo da Estação. Dois "pubs" vazios não nos atraíram e chegados à Estação, contornámo-la e fizemos 180º. Restaurantes fechados, esplanadas de cafés com poucos clientes, até que resolvemos arriscar no único restaurante aberto (para além de um chinês) que anunciava grelhados a preços convidativos. Embora sem um único cliente, com aspecto de quem vai fechar a tasca, fomos recebidos gentilmente e serviram-nos costeletas de borrego e de boi grelhadas ao alho que estavam de muito bom paladar.
Conseguimos ver quase toda a segunda parte do jogo.
Curiosamente, com os cafés serviram uma bagaceira que foi famosa na Região do Porto há muitos, muitos anos: A Morgadinha das Caves Campêlo, do Concelho de Barcelos, de cujo dono fui amigo. Nem sabia que ainda se comercializava. Mas já não houve segundo café pois a máquina tinha sido desligada e o empregado varria o chão e encastelava as cadeiras. Contas feitas de que não nos podemos queixar tanto pela qualidade como pela quantidade do repasto e fizemo-nos à vida, seguindo para o centro da Vila.

Passamos pela Câmara Municipal, um belo Palácio edificado entre 1903-1906, pela Fonte Mourisca e pela exposição das Estátuas. Soube posteriormente que esta artéria chama-se Alameda da Volta do Duche.
A Fonte Mourisca, obra de 1922, desmontada nos anos 60 e restaurada a uma vintena de metros do local primitivo, nos anos 80, foi construída para substituir um antigo chafariz.
Exposição de Estátuas na Alameda da Volta do Duche
assim denominada porque existiram banhos públicos neste local.

Chegados ao centro, ficamos com uma sensação esquisita. Pouca iluminação, pouca gente nas ruas, os cafés e pastelarias fechadas. Pouco passava das 10 horas e a noite ainda era uma criança. Descobrimos um bar num canto de uma ruela com escadas onde entramos apenas para tomar um café.
Sentei-me ao balcão, pedi um café e a primeira coisa que o barman fez foi colocar um pequeno copo à minha frente. Servido o café, perguntei-lhe para que era o copo. Resposta: não vai querer um cheirinho ? e serviu-me uma aguardente com toques de velha em cascos de carvalho. Sem rótulo na garrafa. Uma delícia. Há pessoal que parece bruxo...
Arrancamos para ir até ao Palácio da Vila tentar fazer umas fotos e apaziguar a digestão e relaxar dos nervos acumulados pelo jogo. Infelizmente não era a minha noite e não consegui nem uma foto decente para mostrar.
Valeu-me o amigo Fernando Súcio para ficar com uma recordação.

Palácio da Vila também denominado Palácio Nacional de Sintra
Remonta a um primitivo palácio doado por D. João I ao Conde de Seia em 1383. 
A sua reconstrução teve início no séc. XV com projecto de autor desconhecido, apresentando características de arquitectura medieval, manuelina, gótica, renascentista e romântica. Ao longo dos séculos foram acrescentadas alas e decorações no interior. Destaque para as enormes chaminés.
Não houve tempo para uma visita.

Demos mais umas voltas e Sintra parecia um terra deserta. Um ou outro casal de namorados, um ou outro jovem com cão pela trela e nada mais. Será que os turistas têm medo de sair à noite ? e onde estão os habitantes ?
Chateados e sem nada para ver, voltamos ao mesmo boteco mas agora sentámo-nos a uma mesa. Uma jovem muito gentil e eficiente (exactamente as mesmas notas para os dois barmans) tomou conta do pedido e serviu-nos elegantemente cervejas Super-Bock. Com e sem alcoól.
Passe a publicidade que os árabes não precisam dela nem o
 fanfarrão do ex-ministro do comércio.
Devo dizer que os preços foram mais baratos do que os praticados em qualquer barzinho de meia tigela da nossa Ribeira.

Passada a noite é novo dia e saída a caminho da Quinta e Palácio da Regaleira, afinal o ponto principal desta descida até Sintra, não sem antes de um bom pequeno almoço num café próximo da Estação ferroviária, do tipo à moda antiga com senhoras muito gentis a servirem, clientes a ler o jornal e preços nada turísticos. Ainda há gente boa na nossa terra.
A tempo de ver as charretes a caminho do Palácio da Vila à procura de turistas.
Prosseguimos para a Regaleira e os problemas de estacionamento surgiram. Infelizmente fui induzido em erro ao ler o site da Quinta que indica estacionamento fácil.

Em frente ou quase, no Palácio de Seteais, construído no séc. XVIII, existe um grande estacionamento com meia dúzia de carros. Perguntei se podíamos estacionar. Que sim desde que fosse por pouco tempo. Uma gorjeta teria resolvido o assunto, acho eu, mas até ignorava que agora é um hotel.

Fomos estacionar no único lugar disponível e com muita sorte já no caminho do Castelo dos Mouros, a mais de dois quilómetros. Os truca-truca e os autocarros continuam a ser os donos dos espaços possíveis, mas na realidade é que não há estacionamentos.


Sobre a Quinta, francamente fiquei fascinado. Tinha-me informado minimamente sobre ela, mas sabemos que é preciso dar um desconto ao que se lê para turista convencer. Vivi muitos anos nesse mundo para saber como é.
Deixêmo-nos encantar pelas edificações com os seus simbolismos esotéricos e religiosos. Mas é a natureza, ali no meio da outra natureza da Serra de Sintra, controlada desde o início da projecção do espaço e lindamente disposta que está ao nosso alcance perfeitamente viva.

Uma pequena parte do espaço tem referências desde finais do séc. XVII. Em 1830 toma o nome actual. Em 1840 é adquirida pela filha de Allen, negociante de Vinhos do Porto e a quem os negócios acabaram por não correr bem. Em 1892 é comprada por António Carvalho Monteiro, nascido no Brasil mas a viver em Portugal há muito anos, formado em Coimbra e dono de uma considerável fortuna. Por isso lhe chamaram o Monteiro Milhões.
Comprou mais terrenos e a maior parte da construção actual durou de 1904 até 1910.
Patamar dos Deuses, composto por 9 estátuas dos Deuses Greco-Romanos. A mitologia clássica foi uma das inspirações para os Jardins da Quinta da Regaleira.

O Bosque ou Mata não está disposta ao acaso, mas reflete a crença do primitivismo.
A Água como Fonte de Vida encontra-se em lagos, cascatas, fontes espalhadas ao longo do espaço.
A Mata foi ordenada mais cuidada na parte de baixo sendo progressivamente mais selvagem até ao topo.
Por entre a mata, vemos uma parte do Palácio da Vila, a Capela da Santíssima Trindade, e no alto da Serra de Sintra o Palácio da Pena e o Castelo dos Mouros.

Belíssimos locais de repouso com simbolismos e Fonte da Regaleira

Poço Iniciático
Com entrada "escondida" nas rochas, encontramos uma galeria subterrânea construída em espiral sustentada por colunas esculpidas, descendo por uma escadaria constituída por 9 patamares separados por 15 degraus até ao fundo do Poço, esculpido em mármore representando a Rosa dos Ventos sobre uma Cruz Templária e simultâneamente indicativo da Ordem Rosa-Cruz.
O Poço está ligado por várias galerias a outros pontos da Quinta: a Entrada dos Guardiães, ao Lago da Cascata e ao Poço Imperfeito.

Gruta da Leda e a Portal dos Guardiães

Torre de Ziguarte

A Torre da Regaleira
Foi construída para dar a quem sobe a ilusão de se encontrar no eixo do Mundo.

Terraço dos Mundos Celestes e Torre de Ziguarte que cobrem a Cisterna.

Capela da Santíssima Trindade
Magnífica fachada em revivalismo gótico e manuelino. Estão representadas esculturas de Santa Teresa de Ávila e Santo António. No meio a encimar a entrada está representado o mistério da Anunciação.
No interior no altar-mor vê-se Jesus depois da ressuscitação a coroar uma mulher. Pode ser Maria ou Madalena. No chão estão representadas a Esfera Armilar ou Globo Celeste e a Cruz da Ordem de Cristo rodeadas de pentagramas.  

O edifício do Palácio tem um não sei quê que me provocou uma espécie de negação. Talvez a cor da pedra e os traços pretos que a dividem.
O Palácio é marcado por uma torre octogonal de exuberante decoração.
Tentei "meter" o edifício sempre que pude no meio da vegetação que o rodeia. Os imensos pormenores são como uma renda trabalhada mas só quem as projectou sabe os porquês. Hipóteses há muitas, mas descrições originais parece não existirem de forma a nos elucidarem.

Painel superior da Porta de entrada do Palácio, Aposentos e Sala dos Reis. 

Sala de Caça
Belíssima decoração e a extraordinária lareira em mármore.
São as salas visitáveis para além das escadas de acesso. São excepção as salas com a exposição permanente homenageando o arquitecto italiano Luigi Manini autor do traço da Quinta.
Dos terraços superiores podemos maravilharmo-nos com a paisagem e as esculturas cheias de simbolismo. Num dos pilares a imagem de Camões ou não fosse Monteiro um grande Camoniano.

Um lanche no bar, no terraço da sede da Fundação que tem a seu cargo a Quinta da Regaleira, custa um "balúrdio" para português-turista.
O terraço é relaxante, tem uma fonte lindíssima sem água e vários acessos para a Mata. O Palácio ao fundo.

Uma sande de queijo e fiambre com assomo de legumes pelo meio e môlhos gourmets, mais uma mão-cheia de batatas de pacote, uma cerveja e um café, não ficam por menos de 12 euros.
A entrada na Quinta custa 8 euros para a melhor idade.

Passamos cerca de 5 horas dentro do espaço e depois é que foi o diabo até chegar ao local onde o Fernando deixou o carro.
Mas foi bom para carregar energias.

Alguns Amigos já me escreveram sobre a Parte I e também sobre os PPS que fiz e distribui sobre a Pena e esta Quinta. Uns recomendando casas para comer as queijadas, outros que Sintra não é só isto, e ainda recebi lamentos de ex-camaradas que tiveram pena da minha passagem pela terra deles e não os ter avisado para tomarmos uns copos.
Só posso agradecer a todos e lembrar que foi uma visita a correr à Bela Sintra, onde tantos escritores portugueses e estrangeiros e não só escritores se inspiraram.


quinta-feira, 5 de novembro de 2015

231 - Memórias de uma viagem - Sintra, Parte I

Um convite que não podia recusar levou-me ao centro de Portugal em várias etapas mas em viagem rápida.
A primeira etapa tinha o fim em Sintra, numa "directa" desde o Porto.

Paragem já bem próximo mas ainda no concelho de Mafra para apaziguar os "males" do estômago, bem resolvidos numa casa onde a simpatia impera, o bagaço é mesmo de lei e à disposição e os preços nada extravagantes.

Três pedaços de Vitela assada, fatiada como gosto, estavam no ponto.


Casa a recomendar

Informações precisas do dono do restaurante levaram-nos até ao centro da Vila de Sintra, onde os turistas a monte guiados ou não pelas bandeirinhas das cicerones,  andam pelo meio da estrada-rua e atravessam-na fora das passadeiras (zebrados) que estão a 5 metros.

A primeira vez que fui a Sintra também em viagem rápida já tem mais de 40 anos. Regressei uma segunda vez em meados dos anos 80, mas não passei do interior de uma casa das queijadas - que por sinal não gosto - a convite de um pseudo amigo na tentativa de me aliciar com projectos profissionais de muito mau gosto.

O destino final da primeira etapa era o Palácio da Pena, mas as informações-direcções na Vila estão em locais de fraca visibilidade parecendo não recomendados a turistas nacionais, desconhecedores do itinerário e simultâneamente a terem muita atenção ao trânsito pedestre e não só.
Vimos imensa gente até de alguma idade a fazer percursos a pé. As distâncias relativamente não são longas, mas as subidas são bem ásperas.

Fiquei com a impressão que o turismo em Sintra é dedicado aos estrangeiros. Subindo para a Pena, estacionamentos é como se não existissem, com excepção para autocarros de excursões e para as motoretas de passageiros a que chamam de truca-truca. Os poucos parques de ligeiros estão a centenas de metros, pequenos e cheios, o que dá vontade de mandar passear a visita. Hoje sei que poderíamos usar transportes públicos que saem junto da estação ferroviária e nos deixam próximos da entrada do Parque.
Entretanto os utilizadores-locais daquelas estradas apertadíssimas, julgando-se os donos daquilo tudo voam com os seus bólides, desrespeitando regras e buzinando como se houvesse incêndio na serra.
A visita do Parque e Palácio custa a insignificância de 14 euros. Não é permitido fumar aos visitantes passada a entrada, sendo excepção para os motoristas dos autocarros da casa estacionados a 50 metros e que nos transportam até à entrada do Palácio.

O Palácio é lindinho para fotografar, com as suas cores berrantes e contrastantes, os seus estilos arquitectónicos castiços, dizem os especialistas que é uma maravilha do romantismo alemão.
Em Julho de 1972, numa manhã de nevoeiro, coisa normal em Sintra


O rei-consorte D. Fernando II - terceiro esposo de D. Maria II, nascida no Brasil e filha de D. Pedro IV (1º do Brasil) uma infeliz esposa e mãe - alemão de origem, comprou em 1838 um antigo convento abandonado do séc. XV ofertado por D. Manuel I aos monges da Ordem de S. Jerónimo;

Recuperou a capela, a sacristia, algumas dependências e a torre sineira ficando a chamar-se o Palácio Velho.
Capela devota a Nossa Senhora da Pena, com a configuração original do séc. XVI. O retábulo é da autoria de Nicolau Chanterene e foi executado entre 1529 e 1532.

Em 1843 o excêntrico rei mandou construir uma nova ala dirigindo as obras o Barão de Eschwege, (engenheiro de minas a trabalhar em Portugal e depois no Brasil levado pela família real quando fugiu sob a ameaça das Invasões Francesas. Vale a pena ler a sua biografia na Wikipédia.)

Misturaram-lhe estilos góticos, árabes, manuelinos e chamaram-lhe o Palácio Novo. 

Uma outra ala foi construída fantasiando um castelo imaginário com caminhos da ronda, ameias, torres de vigia, merlões, túneis e ponte levadiça.
Um pormenor do Caminho da Ronda.
Entretanto admire-se o que nos rodeia.

As obras terminaram em 1860 e seguiram-se as decorações interiores.
Morreu a Rainha D. Maria após o nascimento do 11º filho - nado-morto como muitos outros e o alemão casou com uma senhora alemã, cantora lírica, mando-lhe construir um chalé - que não visitamos -. À sua morte legou o Palácio e o Parque à já duquesa de d'Edla que acabou por vender ao Estado Português após questões em tribunais.

Salão Nobre.
Inicialmente pensado para ser a Sala dos Embaixadores, foi transformado em 
Sala de Bilhar e remodelado a partir de 1865

Sem dúvida que os interiores são magníficos mesmo para um leigo. Mas não julguem que vão descobrir a história das vidas que lá se desenrolaram.
Sala de Visitas
Já teve esta decoração. Agora é uma sala de passagem
A decoração de 1854 é do cenógrafo italiano Paulo Pizzi. 
Representa uma arquitectura islâmica sob uma abóbada vegetalista

Direi que é mais um Museu, com peças adquiridas pelo proprietário D. Fernando II e outras vindas de vários Palácios. Assim como estarão neles peças idas deste. Foi a informação lida num dos sites sobre Sintra.
Fotos antigas das salas visitadas, mostram-nos decorações de aposentos que agora não são visíveis.
A primeira grande sala do Palácio Novo é a Sala de Fumo. O tecto é de inspiração islâmica e revela o gosto pela arte mudéjar.
O lustre rócócó é de meados do séc. XIX e representa em vidro uma trepadeira Glória-da-Manhã com cacho de uvas. O mobiliário da sala é indiano e foi adquirido em 1940.

Sala dos Veados
Sala de Banquetes do Palácio, concebida como uma Sala de Cavaleiros.
A mesa redonda está em reserva e a actual decoração presumo que seria mais ou menos
a projectada inicialmente

Cozinha Real, a maior do Palácio, destinava-se a servir os banquetes na Sala dos Veados.

Uma nota curiosa. Não encontramos a entrada para o interior visitável e eu andava furioso por essa razão. Chateados, acabamos por descobrir a Cozinha Real e um caminho proibido. Fomos investigar e demos com o que é o caminho do fim da visita ao interior do Palácio.
Como devem calcular, subornamos as guardas-cicerones que encontramos pelo caminho com o velho sorriso galanteador e explicações tipo "perdidos no trânsito", e visitamos o Palácio de costas.


A natureza envolvente é maravilhosa. D. Fernando II mandou plantar variadíssimas espécies de árvores de quase todo o mundo no Parque que não visitamos, mas uma parte foi descido por um dos caminhos. Ficará para uma próxima vez.

As fotos do Palácio mais antigas e alguns textos foram pesquisadas-pesquisados no site http://parquesdesintra.pt

Fim da primeira parte