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quarta-feira, 6 de abril de 2011

72 - A Rua de 31 de Janeiro, ex de Santo António

A última vez que subi esta íngreme rua foi há cerca de 3 anos, na companhia do meu amigo Álvaro, na altura de muita boa saúde. Não tivemos paciência para esperar pelo eléctrico, que entretanto voltou a ser o meio de transporte a partir de Setembro de 20o7, para nos levar até à Batalha, ponto de encontro dos Cotas da Batalha, como nos apelidou já há uns anos, o menino João Valadares. Grande parte da rua foi construída sobre estacaria e arcos em pedra, para vencer o enorme declive entre as extremidades e também para dar passagem à mina do Bolhão que por aí corria para alimentar as monjas beneditinas do Convento de São Bento de Avé-Maria, onde hoje está a Estação de S. Bento. Foi uma rua meticulosamente planeada, ou não fosse o Presidente da Câmara o Senhor João de Almada e Melo. O arquitecto foi Teodoro de Sousa Maldonado e projectada ente 1787 e 1793 sendo totalmente aberta em 1805. Começou a chamar-se Rua Nova de Santo António derivado aos Congregados e para não se confundir com a de Santo António que havia na Picaria, destruída para a abertura da Praça de D. Filipa de Lencastre (1940?). Embora ainda por lá existam resquícios de prédios desse tempo. O Turco será um deles. Um àparte, quem quiser saber quem é ou o que é o Turco, contacte o Bando do Café Progresso. Duas imagens de épocas diferentes. Nesta ainda não passavam os primitivos eléctricos (só aconteceu a partir de 1902, entre a Praça de D. Pedro,- depois Nova e depois da Liberdade - e o Largo da Aguardente, hoje Praça Marquês de Pombal. Nem a Ourivesaria Reis (fundada em 1880) tinha a fachada actual.
O que veio a acontecer em 1917, se não estou errado.
Teve esta rua um papel importante no futuro da República. Em 31 de Janeiro de 1891 deu-se a primeira revolta republicana, entretanto sufocada. Foi palco de encontros sangrentos, mas que serviu para o lançamento do futuro regime em 5 de Outubro de 1910. Logo após, a Rua passou a chamar-se de 31 de Janeiro. Em 1940, o regime salazarista resolveu mandar retornar-lhe o nome antigo, sem a Nova
Foi uma rua de elite, com vários estabelecimentos chic's, destacando-se as luvarias, alfaiates, chapelarias e cabeleireiros. Mais havia, segundo as crónicas, uma mercearia finíssima, explorada também por um francês. Queijos e champanhes do seu País era com ele. Ainda segundas as crónicas a frequência da alta socidade portuense era grande, incluindo Camilo. Bom, que o Camilo Castelo Branco fosse frequentador, não admira. Agora o que admira é ser ele considerado da Alta.
Ao cimo fica a Igreja de Santo Ildefonso, à esquerda a Rua de Santa Catarina e à direita a Praça da Batalha.
A Rua ainda conserva as características da mesma zona comercial, embora um pouco decadente (e o que é que não está ?) e de muitos prédios antigos.
Curiosamente, numa visita ao Museu Militar, na sala correspondente à Revolução de 31 de Janeiro, encontrei uma maqueta da zona onde se deram os conflitos mais graves.
Chamou-me a atenção de haver um só edifício com o aspecto de destruído. Quem guarda tem e não estando tão alzeimado como às vezes pareço, lembrei-me de ir procurar a foto e finalmente fiquei a saber o significado.
Um alfaiate português, António Pereira Baquet mandou contruir um Teatro em 1859. O Teatro Baquet...
... que foi destruído por um incêndio 29 anos depois (1888). Quando se deu a Revolução não sei se as ruínas ainda lá estariam, ou se será apenas um simbolismo na maqueta.
Porque no mesmo local, em, presumìvelmente 1894, foram inaugurados os Armazéns Hermínios. Não sei quando foram demolidos.
O local é onde se encontra mais ou menos o edifício cor de rosa, que pertence à Caixa Geral de Depósitos. As varandas do edifício anterior não deixam dúvidas. Só comparar com a foto do ardido Teatro Baquet
O edifício da Caixa deve ser de meados dos anos 40 e foi seu autor ou a ele ligado o Eng. Fernando Moreira da Sá . O mesmo do Palácio Atlântico na Praça de D. João I, que foi do Cupertino de Miranda, e do Campo de Aviação Militar de Espinho, incluindo Quartéis e Hangares. Aqui entra a saudade com mais de 40 anos, que vou partilhar com uns Bandalhos.
Existem ao longo da Rua fachadas de estabelecimentos comerciais com cerca ou mais, de um século de existência. A da Ourivesaria Reis, fazendo esquina com Santa Catarina, é de 1917, construída na Companhia Aliança e projecto dos Irmão Teixeira Lopes.
Um pormenor das fachadas e varandas superiores.
A fachada da Ourivesaria Miranda, que hoje se pode ver na Vicent, actual casa de Moda
É de 1905, em ferro forjado dourado.
Gentilmente, foi-me permitido fotografar o interior do edifício. Com excepção de algum mobiliário, mantém o traçado original.
A Casa Costa Braga, fundada em 1866 na Rua da Firmeza, onde era a antiga Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis, abriu aqui o seu estabelecimento no princípio do séc. XX. Foi especializada em chapéus e teve honras de visita do Imperador do Brasil D. Pedro II. De há meio século para cá, especializou-se em fardamentos.

A Ourivesaria Machado, antiga Cunha, fundada em meados de 80 do séculos XIX, alterou a sua fachada em Março de 1914, sob projecto do Arq. Francisco Oliveira Ferreira.
Aspecto actual do início da Rua de 31 de Janeiro, ex de Santo António. Nos extremos, à esquerda, a Igreja dos Congregados, seguindo o atravessamento da Rua de Sá da Bandeira; à direita a Estação de S. Bento. Logo encostada, a Rua da Madeira que se chamou primitivamente Calçada da Teresa e por onde desciam as Muralhas Fernandinas desde o séc. XIV até finais do séc. XIX. E que fazia a ligação com a Batalha.
Nesta foto ainda se podem ver um torreão e as muralhas, encontrando-se logo ali a Porta de Carros.
Uma foto mais recente, já sem as muralhas. O varandim, se não este, um parecido, ainda existe.
Este edifício na esquina com Sá da Bandeira, albergou o Banco Borges. Num dos andares era a redacção da delegação de um jornal lisboeta, creio que o Século.
Do lado direito de quem vai começar a subir a Rua, bem lá no alto, encontra-se esta placa alusiva à Revolução de 31 de Janeiro. À altura a que está dificilmente alguém a descobre. Mas o estado em que se encontra tudo à sua volta, mostra o desprezo que os responsáveis - camarários, da eléctrica, da telefónica, particulares ou todos juntos - têm pelas coisas da Cidade. Repare-se no cano das águas pluviais, furado, que deve atirar a dita água para cima daquela amálgama de fios. E de quem passar na Rua.

Mais ou menos, é esta a história da Rua 31 de Janeiro, ex Nova de Santo António, ex de Santo António.

sábado, 2 de abril de 2011

71 - Igreja das Almas e de São José das Taipas

Incluída no Património Histórico e Monumental da Cidade, que o é também da Humanidade, está situada a sul da Cordoaria, a dois passos da Torre dos Clérigos, do antigo Aljube, do Convento de S. Bento e da Igreja de N. Sra. da Vitória, da Universidade, da Lello, do Hospital de Santo António, do Palácio da Justiça, e no início da Rua Dr. Barbosa de Castro que desde 1679 até 1920 se chamou Rua do Calvário e onde nasceu Almeida Garrett.

Enfim, um nunca mais acabar de Património, faltando referir muito dele, numa área talvez de 1 km2. Por tanto, por conseguinte, por consequencia, muitas vezes ando por aqui.

Achava estranho nunca ter encontrado esta Igreja aberta, fosse qual fosse a hora do dia e da semana que por aqui passava. Gostava de a conhecer há muito. Até que a casualidade de um passeio não programado, a vi aberta.

Estava à porta semi-aberta um grupo de jovens. Com licença, pedi, e aventurei-me na Igreja. Posteriormente, fiquei a saber que esses jovens, estudantes através da Árvore, estão a proceder a limpezas para conservação. E minorar o custo de restauros. Valeram-me e muito as informações que a Mestra me transmitiu sobre um pouco da história do Templo, que complementaram o que li e agora reli, escrito sobre ele. Com excepção da página do http://www.portoxxi.com não vale a pena percorrer a net. Parece um edifício clandestino. Mas sigamos. A construção da Igreja foi iniciada em 1795 sendo o projecto de Carlos da Cruz Amarante. Talvez por falta de capital e também pelos acontecimentos políticos que se viveram desde o início do séc. XIX, só foi concluída em 1878. O exterior é em estilo barroco e o interior em neo-clássico de características portuenses. Também li que é neo-clássico italiano. Embora tudo que é estrangeiro é que é bom (em qualquer parte do mundo) não podia deixar de referir o que me dá mais prazer. Portuense. Está errado ? Ponto final e siga.
Na capela-mor destaque para um grandioso retábulo representando Nª. Sª. das Almas. Presume a minha gentil cicerone de ocasião, que será do séc. XIX desconhecendo a origem e o autor.
Também em destaque as imagens de S. José e S. Nicolau Tolentino. Li (mas posterior à visita) que existem uma tela antiga da escola alemá e um famoso presépio. Casualmente descobri que este esteve exposto no Hospital de S. João aquando das comemorações dos 50 anos da sua existencia. Portanto, há 2 ou 3 anos. Não custa nada regressar à Igreja, aproveitando esta ocasião única de estar aberta (?) e tentar ver as peças. Se é que lá estarão ...
Nas laterais estão 4 altares representando as Senhoras das Dores, da Saúde, da Conceição e Santo António. Intercalados, 2 púlpitos.
Sabia da existencia de um painel representando o Desastre da Ponte das Barcas - As Alminhas -. Embora com má luz, consegui registá-lo. Julgava que era maior, mas a Mestra informou-me que até é bastante grande, olhando à característica do material em que está pintado. Cobre, se bem percebi.

Este painel esteve na Ribeira até ser substituido em 1897 pelo actual, em Bronze, do Teixeira Lopes, Pai.

A Irmandade das Almas de S. José das Taipas, fundada em 1780 e que resultou da fusão das de S. Nicolau Tolentino das Almas e de S. José das Taipas, congregou muitas simpatias das gentes da Ribeira. Por isso confiaram-lhe em 1810, o encargo do sufrágio dos Mortos do Desastre da Ponte das Barcas, ocorrido em 29 de Março de 1809. E da recolha de esmolas.

Pelo muito que conseguiram (de esmolas), a confraria da irmandade da Capela das Almas, de Santa Catarina, exigiu "distribuição" das mesmas. Questão reles por motivos de ganância, como escreveu alguém na época. Mas parece que foi polémica durantes muitos anos.

A partir dessa data (1810), daqui saiu todos os anos uma procissão em direcção à Ribeira, até 1909. Primeiro, da Capela - de que falarei (escreverei) adiante - e depois da Igreja. Deixou de se realizar por causa da implantação de República. Ora aqui está uma coisa que não entendo. Primeiro, porque a República foi implantada em 5 de Outubro de 1910. Segundo, o que tinha a ver um caso com o outro. Mas nós vivemos a 100 anos de distância e a história é história.

Fiquei a saber que, provavelmente pela mudança de regime, a Igreja só começou a abrir a porta, uma vez por ano: No dia 29 de Março. Talvez por isso, encontrei umas simples flores (ver a foto), ainda viçosas, na ara do altar. Uma homenagem prestada três dias antes da minha visita, com 200 anos de história. Toquei as flores e senti uma certa emoção. As gentes do Porto nunca esquece os seus.

Agora a parte da história mais antiga.


A Irmandade actual, depois da fusão, reunia-se na capela privativa da família Pachecos, fundada em 1666. Com o desenvolvimento do culto das Almas, foi necessário construir-se um novo templo. Daqui se partiu para a actual Igreja mais conhecida pelos Portuenses como a de S. José das Taipas. Na foto o Altar, cuja imagem não sei quem representa. Mas presumo que será Nª. Sª. das Dores.


Será que se chama zimbório a este cume da Capela ? (A primeira vez que ouvi esta palavra, se a memória já alzeimada não me falha, veio de meu Pai olhando e apontando para o Templo de Santa Luzia em Viana do Castelo). É magnífico.
No pátio ligado à Capela e na parede que fará parte da Igreja vê-se perfeitamente esta inscrição datada.
Este é o portal de ligação da Capela com o Pátio. Muitas "pedras" por ali, com lixo à mistura. Não devo mostrar tudo que vi. Afinal fui um invasor. Mas há limpezas na Capela e na Igreja. Não esqueçamos.
Nesse - neste - pátio, entre as pedras, encontra-se esta Pia de Água Benta. A que ou a quem pertenceriam ? Mas estarei certo ao escrever isto ?
Uma jovem em trabalho de limpeza. O grupo a que me referi de início está espalhado por vários espaços. São estudantes na Cooperativa Árvore. Trabalhando, aprendendo. A Mestra é duma simpatia tremenda. Tenho de lá voltar e aprender. Se ela achar que mereço ser aluno ocasional.

Um apontamento. Não me senti muito bem, fotografava mas imaginava que roubava. Senti como que invadindo propriedade privada, alerta, esperando a chegada dos guardas.

Afinal, agora olho para trás e não parece que há 2 dias alguém tivesse intenções de me caçar. Sensações. Porque já as vivi ( Igreja de Rio Tinto, de Ermezinde, Palácio do Freixo, Casa da Câmara, etc.)

Mas gato escaldado de água fria tem medo.

Talvez compreenda agora, depois da lição que recebi, o porquê desta Igreja estar sempre fechada.

segunda-feira, 28 de março de 2011

69 - Porto - A Cadeia da Relação

Sinto sempre uma certa emoção quando visito este edifício que agora alberga o Centro Português de Fotografia. A sua arquitectura, a sua história e a de alguns presos que alojou, o interior feito de granito e ferro, dão-me uma sensação de pequenez que nenhum outro edifício da Cidade me provoca. O edifício começou a ser construído em 1767 e demorou cerca de 30 anos a ficar concluído, no mesmo local da primitiva Cadeia, do tempo da era Filipina, que se desmoronou. O arquitecto foi Eugénio de Santos e Carvalho, o mesmo da reconstrução da Lisboa Pombalina. Albergou também o Tribunal. Foto de Arnaldo Soares, sem data, mas que será de finais do séc. XIX ou princípios do séc. XX
Entrada e acesso aos pisos superiores
Pátio dos Presos. Esta zona foi modificada em 1862. Era a enxovia das mulheres, com nomes de santos. Embora mantendo algumas delas, passou a ter uma oficina de trabalho e a enxovia de menores.
Para a sua construção, foi desmantelado um enorme tanque que aqui existia.
O interior de uma das enxovias.
Hall de entrada
Parlatório - Sala das Colunas

Entrada para o Tribunal
Interior do Tribunal.

Hoje é dedicado a Aurélio Paz dos Reis (Porto 1862/1931), o pai do cinema português. O primeiro filme realizado em Portugal tem o título A Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança (a antiga Confiança, de Santa Catarina) Ainda hoje se observam pormenores construtivos
A distribuição dos presos pelos espaços obedeciam a critérios, conforme a classe social, o tipo de crime cometido e a capacidade de pagamento da carceragem.
Embora tenha investigado in loco onde se situaria a reprodução desta imagem, não o consegui. Mas era no último piso ( quartos superiores conforme refere a reprodução) que se situavam as prisões individuais, chamadas de Quartos de Malta, destinados a altas personalidades e que se fechavam só à noite. Também lá esteve a Enfermaria.
Há informações que nos dizem o que foram ou para que serviram as várias salas.
Foram celas de Mulheres, colectivas, mas mais salubres do que as enxovias.
Tinham também o nome de Santos (e Santas, claro).
Aproveitadas actualmente para exposições fotográficas. Exposição permanente sobre a Antropometria e a Fotografia no sistema judicial português
Secções criadas em 1902

Pormenor de uma "ficha"Cela de S. João

Aqui esteve prisioneiro Camilo Castelo Branco de 1 de Outubro de 1860 até 16 de Outubro de 1861, onde conheceu entre outros, o Zé do Telhado, cujas histórias de vida escreveu, para além de vários romances, dos quais Memórias do Cárcere e o best-seller Amor de Perdição. É visitado por D. Pedro V, a quem se deveram alterações melhorando as condições de vida dos presos.
Como veria hoje a Cidade da sua cela. Escreveu a um amigo "a maior saudade era ver a Igreja do Bonfim, que lhe marcava o rumo da estrada para Vila Real". (Li esta frase, que não estará rigorosamente nem na totalidade reproduzida in Os Amores de Camilo por Alberto Sampaio)
As concepções punitivas que vigoravam ao tempo, são evidentes com a segurança nas grossas paredes de granito, nas grades (duplas no piso térreo), nas portas chapeadas.
Vista (?) para o interior
Vista para o Convento de S. Bento da Vitória
Vista para o Jardim da Cordoaria. Ouvi-a dizer, ainda pequeno, quando alguém se encontrava preso "que estava no Hotel da Cordoaria com vista para os patos"
O Rio Douro e Gaia em fundo.
O Vitral da cúpula
Como outras celas, a que foi de Camilo hoje expõe relíquias fotográficas

Máquinas Linhof de muitas saudades.

Uma de estúdio, outra de fotografia aérea. A não perder uma visita

Curiosa a grafia desta cela
A Janela dos Condenados à Morte.

Li algures, que era aberta no último dia de vida. Dá para a Capela onde passavam a noite.

A Fonte de Neptuno na fachada voltada para a Antiga Porta do Olival
A fachada da Rua de S. Bento da Vitória
Era a antiga entrada para o Tribunal e para a Cadeia.
O edifício é uma construção em forma de triangulo. Foi desactivado o Tribunal em 1937, que passou para outro edifício e a Cadeia em 1974, seguindo os presos para Custoias.

Hoje encontra-se em perfeito estado de conservação - pelo menos o que é visitável - e a Associação Portuguesa de Fotografia merece os parabéns pela forma simples mas funcional como as exposições são e estão organizadas. Que são bastantes ao longo do ano.

Um apontamento: Uma foto antiga da frontaria da entrada, em exposição, está ao contrário. Perguntei a razão mas não me souberam responder. Talvez o original esteja mesmo assim, pois é bem simples invertê-la. Pormenor.