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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

142 - As Demolições no Morro da Sé

Muito vagamente, lembro-me do meu Pai falar das demolições na Sé e do problema de habitação para os seus moradores, ao mesmo tempo que contava histórias sobre a famigerada Avenida da Ponte.
Para nós, Portuenses, a Sé é muito vasta e não só o local onde se encontra a Catedral e o núcleo Monumental.
Sabemos que circundou o Morro da Sé ou de Penaventosa uma Muralha Primitiva, ou Sueva, afirmando-se ser romana do séc. III, assente em outros muros já existentes. Foi restaurada no séc. XII, do qual existe apenas um cubelo reconstruído no séc. XX.
Pormenor das demolições, projectadas no plano da Câmara do Porto em 1934 e que se prolongaram por vários anos.

 Cerca de 60 anos separam estas imagens

Essa Primitiva Muralha tinha 4 Portas, sendo a principal a de Vandoma. Ligava o Morro da Sé com o da Cividade, outro espaço grande naquela época, através da Rua Chã, chamada antigamente Eiras ou Chã das Eiras
Na foto superior esquerda, olhamos a Avenida da Ponte e à direita a Rua Chã. Na foto superior direita estamos no mesmo local mas no sentido contrário, isto é, a caminho da Ponte, ficando à direita o início da actual Calçada de Vandoma.
As fotos inferiores, mostram o que resta dessa Muralha e a Casa de D. Hugo, Bispo do Porto, construída em estilo gótico, entretanto demolida, aproveitando-se na reconstituição uma das paredes originais e a porta. Foi a este Bispo que D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, concedeu o Couto da Cidade em 1111.
Nesta casa - o arqueossítio -, está demonstrada a mais longa existência humana da Cidade. Em apenas três metros de profundidade detectaram-se 20 camadas arqueológicas integrando ruínas arquitectónicas e espólios do séc. IV a.C.. Foram identificados vestígios do Crasto proto-histórico que deu origem à Cidade.
Mas as Demolições são o que interessam para agora.

Sensivelmente do mesmo local, podemos ter uma ideia de como era a Calçada de Vandoma e de como é actualmente

Adoçado à parede da Sé, foi colocado o Chafariz de S. Miguel, também chamado do Anjo, anteriormente localizado no Largo da Sé e que segundo o Igespar é considerada uma obra menor ao que tudo indica de Nicolau Nasoni. 
Mas voltemos atrás para espreitar a Porta de Vandoma e olhemos os desenhos e a aguarela abaixo reproduzidos. Talvez a mais correcta composição seja a de Joaquim Vilanova, litógrafo, a quem foram encomendados vários desenhos do Porto e não só. Conhecem-se cerca de 100. No entanto Gouveia Portuense desenhou-a e pintou-a com outro simbolismo. Com a imagem de Nossa Senhora de Vandoma no cimo. Tanto quanto se compreendem dos textos de outrora, era no cimo que a imagem estava colocada.
Como atrás referi, a Porta de Vandoma era a mais importante da Cidade, aberta na Muralha Primitiva. Segundo a lenda, uma armada de Gascões comandados por D. Munio Viegas no ano de 990, entraram no Porto para salvar a região dos Mouros - e aproveitar as suas riquezas, pois claro -. Juntamente veio o Bispo da localidade francesa (actual) de Vendôme, D. Nonego que posteriormente viria a ser Bispo do Porto e trouxe consigo uma cópia da imagem que estava na Catedral. Vitória conseguida, reconstruiram-se as Muralhas e a Porta por D. Nonego e no cimo foi colocada essa imagem.
A devoção popular foi tal que foi elevada Nossa Senhora de Vandoma, ou Nossa Senhora do Porto ou ainda Nossa Senhora do Porto da Eterna Salvação, uma das invocações à Virgem na Igreja Católica, a Padroeira da Cidade.
A devoção chegou pelos Portugueses ao Brasil como Nossa Senhora do Porto e tornou-se orago de algumas cidades como Andrelândia e Senhora do Porto, em Minas Gerais e Morretes no Paraná.
A imagem original e talvez outras posteriores desapareceram mas em seu lugar foi colocada uma no séc. XIV, que saiu para a Sé em 1855, não para o local actual, quando o Arco e as casas que lhe ficavam contíguas foram demolidas. Está actualmente do lado esquerdo do Transepto por indicação do querido Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que decidiu pela sua exposição ao culto.
O Casamento de D. João I em 1387
Painel de azulejos na Estação de S. Bento de Jorge Colaço

Conta Fernão Lopes, na sua Crónica D. João I, que o Rei D. João e D. Filipa de Lencastre se deslocaram do Paço para a Igreja. Segundo entendo, o Paço estaria próximo da Sé, dentro das Muralhas. Mas a história que nos ensinaram conta que os noivos entraram na Cidade. Sendo assim, Jorge Colaço retratou (penso eu) a história popular, embora só o pudessem fazer pela Porta de Vandoma, a única que permitia a entrada de carros. Mas esta reprodução da Porta não é em nada parecida com as que se vêm nas fotos acima referidas. 
Outras histórias do Casamento se podem encontrar, uma das quais o Rei veio a correr para o dito, depois de pôr em ordem com umas espadeiradas lá pelo Norte uns galegos atrevidos. Por outro lado, os nobres entravam na Cidade pela Porta Nobre, ou Nova, em Miragaia, depois de atravessado o Rio e vindos do Castelo de Gaia. Parece mesmo que a futura Rainha já estaria no Paço enquanto o Rei estava algures...mas lá foi ter para a cerimónia, afinal a confirmação do tratado de Windsor - feito em 1373 com a Inglaterra - , ainda hoje em vigor.
Para finalizar, lê-se na Toponímia da Câmara Municipal que o primeiro documento que refere a Porta é de 1413. Ter-se-á perdida outra documentação, sendo a Porta tão antiga ? 

Caminhemos pela Calçada de Vandoma - não sei se ainda se chama assim - mas fica-lhe a toponímica eternamente. Antes das demolições, em frente da Sé ficavam algumas casas brasonadas. Hoje temos a chamada reconstituição da antiga Casa da Câmara ou dos 24, da última década do séc. XX, do Arq. Fernando Távora. Não são só os portuenses que não gostam do "Monumento" - por não acharem o seu enquadramento condizente com a monumentalidade do sítio. Realmente, é mais que feia. Mas que fazer...

Voltando à esquerda para o actual Terreiro, em frente da porta principal da Sé ficava a Capela de Nossa Senhora de Agosto e de São Bom Homem, padroeiros da Confraria dos Alfaiates. Ainda hoje conhecemos a Capela como a dos Alfaiates. A imagem era venerada desde o início do séc. XVI no primeiro andar de uma casa cujos baixos eram os Celeiros do Bispo. Em 1554 iniciou-se a construção da Capela, que foi desmantelada em 1936.
Ao fundo das fotos, o Paço Episcopal.

Em 1953 a Capela foi reconstruída no local actual na Rua do Sol, próximo da antiga Porta ou Postigo do Sol, aberto nas Muralhas Fernandinas. É Monumento Nacional desde 1927.
Possui um conjunto retabular executado entre 1590 e 1600 por Francisco Correia e seus colaboradores. Para os apreciadores de arte, é pena não se encontrar regularmente aberto este edifício.

As casas foram sendo demolidas no Terreiro. O Paço Episcopal, talvez o edifício mais monumental da Cidade, é pelo menos em grande parte da autoria de Nasoni. Foi construído totalmente após a demolição do anterior.
É uma pena não ser visitável. Disse-me um funcionário que também acha o mesmo, pois sempre falaria com as pessoas, não se cansava tanto por estar horas a fio parado, a olhar os turistas que por ali andam e se sentiria útil.
Mas como nem tudo é mau, podemos fazer uma visita virtual ao Paço através de:
http://www.diocese-porto.pt/visitavirtual/

O novo Terreiro, de costas para o Paço. É uma pena aquele mamarracho lá ao fundo.

A Torre Medieval ou Torre da Cidade, é uma casa-torre medieval que estava escondida entre o casario. Eram por aqui também os antigos açougues do Bispo. Após as demolições foi reconstituída deslocada 15 metros do local original. Albergou o Arquivo Histórico da Cidade e também um centro social depois de Abril de 1974. O Largo agora chama-se de D. Pedro Pitões, antigo Bispo do Porto
Foi-lhe acrescentada uma varanda gótica, mas francamente não sei qual é pois conheço duas que me parecem iguais. Nas costas construíram-se uns arcos, presumo para relembrar a antiga Porta de S. Sebastião.
Relendo este texto em 3.Set.2016, resolvi acrescentar que os arcos serão os da antiga Porta de Vandoma. Foi escrito numa crónica em Agosto no Jornal de Notícias do prof. Germano Silva.

Os açougues do Bispo estiveram aqui até ao séc. XIX, não os primitivos do séc. XIII que estavam na Rua de Penaventosa, chamada na altura de Palhais. Os últimos ostentaram sobre a porta uma pedra vulgarmente chamada Pedra do Porto e posteriormente apenas o Porto. Anteriormente, em 1293, esteve numa das casas do Cabido na Rua das Eiras - ou Chã das Eiras, hoje Rua Chã.

Não foram só a Calçada de Vandoma e o Largo da Sé, hoje Terreiro da Sé, que sofreram demolições. As ruas do velho burgo também as sentiram. Embora com muitas recuperações, principalmente a partir dos anos 80 do séc. XX com o programa Cruab e a elevação do Porto a Capital Europeia da Cultura, muito se fez nas zonas degradas, que as demolições dos anos 40/50 não cumpriram. Seguiu-se-lhe a Porto Vivo-SRU, que segundo conhecedores, mais parece uma coisa clandestina.
Junto à antiga Casa da Câmara ou dos 24, arrasaram-se todas as habitações. Ficaram as ruínas da medieval Casa. Hoje recuperadas, como simbolismo da democracia da Cidade no séc. XVI. Pena foi que o Arq. Fernando Távora não tenha pensado um projecto melhor para manter vivo este símbolo da Cidade. Mas já escrevi anteriormente sobre o que nós, portuenses, pensamos do seu projecto e da colocação do velho PORTO, que esteve encimando o edifício da antiga Câmara na actual Praça da Liberdade e que já foi de D. Pedro, Praça Nova e para nós, simplesmente A Praça.
Rectificando em 2016, a estátua do Porto encontra-se na Praça da Liberdade, no passeio junto ao Banco de Portugal.
No sopé do pequeno morro onde se encontram as ruínas da Câmara dos 24, esteve o chafariz da Rua Escura, mesmo encostado ao Oratório de S. Sebastião. Durante as demolições a que me venho referindo, foi transladado em 1940 para as costas do Muro que foi construído delimitando o Terreiro da Sé de uma cota mais baixa, intermédia ao Colégio e Igreja dos Grilos. Este chafariz do séc. XVII é uma das principais obras antes do impulso do Barroco e de grande utilidade no abastecimento de água à Cidade.
Fico impressionado como na pagina do Igespar leio que está na Rua de Pena Ventosa. Mas é Largo do Dr. Pedro Vitorino o nome do artéria onde se encontra. Para o caso, é mais um pormenor.
Por vezes dou-me ao capricho de reparar nos cicerones que arrebanham os turistas. Enfiam-do-os na Sé, não se dão ao trabalho de os fazer apreciar o Chafariz de S. Miguel, nem a Galilé, nem o Paço Episcopal - infelizmente só a frontaria - , nem o Chafariz da Rua Escura e nem, ai como doi, os miradouros sobre a Cidade Medieval e a Igreja dos Grilos e o Museu de Arte Sacra. Já não referindo a Casa-Museu Guerra Junqueiro, por detrás da Sé de quem vem do Arqueossítio.
 
Não sei a idade nem quando surgiu o antigo Mercado da Rua Escura. Era assim conhecido, embora as bancas se estendessem também por S. Sebastião e outras Ruas. Lembro de uma velha familiar querida vir aqui comprar peixe. Pescada principalmente, porque confiava nas vendedeiras, logo na qualidade e frescura do produto, embora o regateio do preço fosse obrigatório. Temos hoje o mercado de S. Sebastião em edifício próprio.
O Terreiro da Sé visto do Interior da Catedral ou da Casa do Cabido, já não me lembro. O Pelourinho de estilo Manuelino é apenas de 1945, construído para alindar o espaço. E sem dúvida que consegue.

Várias imagens do Morro da Sé, em épocas distintas. Este é o lado mais conhecido e visível desde o Morro da Vitória.
Porque uma coisa bate na outra, isto é as demolições por causa da Avenida da Ponte - ver um escrito anterior - e as da zona envolvente da Sé ordenadas pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais entre as décadas de 30 e 40 do séc. passado, disse-se  por causa de um conceito higienista e resolver o problema da degradação física e social do Bairro, talvez mais não fosse do que criar um espaço para o movimento automóvel desde a Avenida dos Aliados/Praça da Liberdade para o sul através do tabuleiro superior da Ponte D. Luíz.
À monumentalidade que agora podemos visitar, talvez não seja estranho um certo cunho fascista-italiano pelo gosto das grandes praças e largas avenidas já vocacionadas para o trânsito automóvel. Afinal, dois projectistas italianos estiveram entre nós, Muzio e Piacentinni e alguém terá aproveitado um pouco dos seus trabalhos.

Nunca seria capaz de reconstituir alguns factos nem histórias que tentei transmitir se não tivesse lido. A autores fui respigar alguns pormenores dos seus livros: Arnaldo Gama, Alexandre Herculano, Germano Silva. Embora correndo o risco de não ter anotado todas, visitei páginas das quais destaco:
http://monumentosdesaparecidos.blogspot.pt
http://www.queirozportela.com/artigos.htm
http://quintacidade.com/2010/04/03/planeamento-urbano-e-automovel-no-porto/
http://joelcleto.no.sapo.pt/Arqueologia.htm
http://www.apha.pt/boletim/boletim1/pdf/PortoAntigoPortoNovoJFA.pdf

http://aportanobre.blogspot.pt/2009/09/porta-nobre-da-cidade-do-porto.html
http://doportoenaoso.blogspot.pt/2010/07/apontamentos-sobre-as-armas-do-porto.html
http://www.portoantigo.org/

As fotos antigas fui-as conseguido em vários locais.

4 comentários:

  1. Estou sem palavras....continuo a viajar no passado , e no presente tambem, honestamente nao me recordo daquele mamarracho em frente a se , apesar de na primaria termos feito uma visita de estudo a esse grande monumento da NOSSA cidade do Porto.
    Um grande abraço

    JOAO VALE

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  2. meu querido vc é precioso para Portugal por mostrar a beleza que existe ai e que vc faz muito bem. São maravilhas e nos deixam facinados com tanta beleza que mais parece um convite para ir a portugal. Beijos amigo, ca de longe.
    Sophia

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  3. Quem não poder viajar
    Que leia os roteiros do Jorge/Portojo
    enquanto ler,deixe a imaginação voar solta...sem limites
    e mai'nada
    Glorinha Moura

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  4. Grande trabalho do Portojo a merecer a atenção de todos. Temos de dar relevo a esta análise comparada tradutora da evolução da cidade. Obrigado Jorge, um abraço de admiração e gratidão.
    Vasco da Gama

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