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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

137 - As Belas Terras do Norte de Trás-os Montes e Alto Douro.

Longe vão as minhas memórias de viagens que fiz por estas terras, embora os caminhos, com algumas excepções, não fossem estes que acabei de atravessar.
Trás-os Montes e Alto Douro são terras de excelência, que começaram por ser criadas regionalmente (como em todo o Portugal) no séc. XV,  adaptaram-se e desenvolveram-se durante séculos, confirmaram a sua regionalização na Constituição de 1933, até que os inteligentes inventores da Constituição de 1976 destruíram tudo, criando organismos e serviços administrativos que se multiplicam e repetem funções, sem funções nenhumas, apenas para dar tachos aos amigos e complicar a vida aos portugueses.
Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro - eu continuo a chamar-lhe assim e "prontos" - é fácil e difícil. Percorri durante alguns anos as (péssimas) estradas que ligavam as Cidades principais da Província, com duas raras excepções em passeio, as restantes sempre a trabalho. Uma vez ou outra tinha tempo para visitar algumas aldeias - será que hoje se chamarão assim ? - e fazer algumas fotos que devem estar no arquivo do Instituto Português de Fotografia do Porto. 
Tantas e belas recordações me marcaram para sempre, mas isso são outras histórias.   

Em pleno coração do Douro Vinhateiro, algumas terras foram e continuam a ser preparadas para novas formas de plantio das vinhas. Terão também influência depois para a forma como as vindimas serão processadas.
E a paisagem muda a cada curva do caminho.

Embora o Douro seja um Miradouro constante, uma das visitas obrigatórias é ao Monte de São Leonardo (de Galafura). Situado a 566 m. de altitude, conforme refere a Câmara Municipal da Régua no seu site, ou a 630 a 640 conforme se lê na placa que está no caminho que leva ao Monte - para o caso não nos aquenta nem arrefenta -, é formado de sílex e quartzo. Aqui existiu um castro romano do qual foi governador Galafre, que etimologicamente deu o nome a Galafura, localidade criada pelos Mouros a Oeste do Monte, mas que derivado a um ataque de formigas foi deslocada 5 km. do local primitivo.
Gosto de saber datas quanto mais não seja para situar as coisas no tempo, mas isso a Câmara não nos informa. Assim como gostaria de saber o porquê de S. Leonardo. A capela no cimo do Monte deve ser a ele dedicado, mas em Portugal apenas há um templo dedicado a este Santo, para os lados de Peniche, em Atouguia da Baleia. E por dedução presumo que seja S. Leonardo de Noblac - ou Noblat - nascido no séc. V, patrono dos presos e das parturientes.

Ficam-nos as belezas que do seu alto podemos desfrutar. É "O Doiro sublimado"...

...como escreveu Miguel Torga: "O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à forma de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza..."

Bem próximo temos o acesso à IP4 que nos leva a Vila Real, enquadrada nas "Escarpas do Corgo".

Uma relíquia recordando a chegada do primeiro comboio a Vila Real vindo da Régua em 1906. É uma locomotiva de via estreita mod. 409, construída em 1908. Para quem gosta de comboios (olá Júlio, olá Mary,) uma visita a este blogue é obrigatória: http://luis363.blogspot.pt/

Vila Real tem as serras do Marão e Alvão ali à mão. A sua idade é velhíssima, vem do paleolítico e  terá nascido e crescido a partir de Panoias de quem recebeu o nome primitivo (Vila Real de Panoias). Neste lugar existe um santuário romano construído entre os séc. II e III.
Saibam os hoquistas de todo o mundo, que o hoje denominado vulgarmente stick e profissionalmente aléu, nasceu aqui com a choca, jogo que se praticava jogando-se uma pedra com um pau ao qual os naturais chamavam aleo. Conta a lenda que passando D. João I (1357/1433) por estes sítios, mostrou-se zangado com os rapazes que praticavam o jogo por "estarem distraídos das lutas guerreiras". Responderam os rapazes "o pau que bate na pedra também bate nos inimigos".

Seguimos para o Parque do Alvão e o olhar vai descobrindo relíquias. Uma pequena ermida num alto e na encosta, aglomeradas velhas casas.

Um batatal e à conversa com as pessoas, ficamos a saber o porquê de uma em cima e outras em baixo. Estão a regá-lo. A água vai passando e os regos vão sendo abertos e fechados para que percorra o batatal de cima abaixo. A missão de cada um é orientar o caminho da água com a sachola.

Velha Aldeia, casas de xisto e granito. Os telhados de colmo foram sendo substituídos.

Novas casas foram-se espalhando pelos lugares, alterando o aspecto habitacional que não o paisagístico.

Placas de informação bem rústicas, mas muito úteis.

O Parque Natural do Alvão é toda a Serra com o mesmo nome, paredes meias com a do Marão. Foi classificado em 1983 derivado à sua abundante avifauna, riqueza e variedade da flora e interesse da arquitectura local.

É uma área de formações xistosas de silúrico de grande interesse paisagístico e geológico, cujo fulcro é a queda de água do rio Olo. Este forma as Fisgas do Ermelo, passando muitas vezes incógnito por baixo das formações rochosas, mas que no seu todo é uma das maiores cascatas da Europa com 200 metros de extensão. Deve ser um sonho percorrer desde a nascente do Rio Olo até ao lago final. Mas acho que é só para alpinistas e águias, salvo alguns locais dos quais já vi maravilhas fotográficas.

Pelos meandros da Serra do Alvão vamos avistando o Monte Farinha em terras de Basto.

Vários caminhos, tanto pedestres como automobilísticos vão dar ao Monte.

Numa encruzilhada de vários caminhos que se juntam para chegar ao alto, assinala-se um ramal antigo do Caminho de Santiago. No alto de um enorme pedregulho granítico, encontra-se esculpida uma imagem do Santo. Em Julho realiza-se uma Romaria em honra do Santinho, como lhe chamam e  dizem ser das mais populares da região de Basto.

O Monte situa-se a cerca de 1000 metros de altitude  e nele encontra-se o Santuário de Nossa Senhora da Graça. É a terceira ou quarta ermida no mesmo local e esta foi construída entre 1748 e 1758 em granito da região. Já era ocultada em 1566.
O Monte antes de ser conhecido por Farinha ou Senhora da Graça, chamava-se de São Veríssimo e de Santo Apolinário.
Mas existe uma lenda sobre o porquê do Monte chamar-se Farinha e se venerar a Senhora da Graça. A grosso modo a coisa passou-se assim: Um moleiro andava de terra em terra com um pequeno moinho montado na sua carroça puxada por um velho jumento, moendo os cereais da população. Um dia deu "boleia" a uma jovem mas foram atacados pelos mouros. Na precipitação da fuga, o jumento ficou entalado nas penedias, a jovem emparedou-se numa das pedras que se abriu e fechou. O moleiro foi morto mas o moinho trabalhou como um danado fazendo farinha em quantidades tais que os mouros acabaram por fugir assustados. O Monte ficou com o seu nome e a Senhora embora nunca mais tenha sido vista e dizem que ainda hoje lá está na Pedra Branca, por causa do milagre e as Graças recebidas pela Farinha, erigiram-lhe um ermida em sua memória.
Claro que as datas históricas não batem certo, mas quem sou eu para não gostar de uma boa lenda?

Mas certos são os panoramas deslumbrantes em 360º que do alto se avistam. Na região existiram vários Castros anteriores à ocupação romana.
Outros indícios arqueológicos levam a presumir que seria um local de culto.

Três capelas seguem por um caminho que irá dar a Mondim. Foram construídas em 1886, 1889 e 1933. Mas todo o Monte mais parece uma enorme pedreira de onde se extraí granito amarelo, dizem que muito apreciado na Europa.

O meu querido amigo Fernando Súcio, a quem devo este passeio, bem enquadrado na paisagem.
E está na hora de seguir para novas paragens.
A partir da sua terra, a freguesia da Campeã, um belíssimo vale em plena serra do Marão, bem próximo da do Alvão.


O mais antigo documento conhecido que lhe faz referência data de 1091 («in terrotoris Pannoniarum… subtus mons Campelana»). Em 1134 foi-lhe concedida por D. Afonso Henriques carta de couto à chamada à Albergaria do Marão, aí situada. 
Em 1530 a freguesia é denominada de Santo André, mas em 1721 já surge com o seu nome actual. 

A Igreja matriz é um tempo do séc. XVIII, dedicada a Santo André. Tem quatro confrarias, a do Santíssimo Sacramento, a de Nossa Senhora do Rosário, a de Santo Nome de Jesus e a de S. Sebastião, todas sustentadas com esmolas e devotos dos fregueses.
Realizam-se anualmente festas importantes em honra do padroeiro Santo André, de S. Sebastião e de Santa Ana.
Para um leigo como eu, gostaria de saber mais coisas sobre o Templo. Ficam os registos de pormenores do tecto lindamente pintado e do Altar-Mor, uma relíquia em talha dourada. Realmente é uma Igreja belíssima, com muitos pormenores que a estudiosos deveriam interessar.
Estava em obras na altura da visita, preparando-se para as suas festas.
A Campeã foi uma zona mineira, principalmente de ferro. Desde há uma meia dúzia de anos que a sua exploração foi abandonada. Ficaram as recordações da Capela e das habitações dos mineiros. Hoje transformadas em Bairro Social.
Nos caminhos e suportes murais foram aproveitados os resíduos da exploração.

Um outro Bairro e uma exploração turística estão bem enquadrados na paisagem da região.
Subindo ao Marão, "deste lado", notam-se rasgadas "no outro lado" a velhinha Estrada Nacional nº 15 que faz a sua curva impressionante junto à Estalagem do Marão e o novo IP4/A4, que dará um dia, quem sabe, ligação à futura auto-estrada Transmontana.
As encostas dos montes precipitam-se por desníveis impressionantes. E para os amigos que fazem perguntas "esquisitas" sobre Túneis, desníveis, viadutos, etc. deixo-lhe uma amostra do que é viajar nesta montanha. Já Camilo Castelo Branco no séc. XIX se referia às velhas estradas, saindo do Porto. Escreveu ao seu amigo Alberto Pimental quando esteve encarcerado na Relação (na Cordoaria), uma lembrança que transcrevo de cor mas que será mais ou menos esta: Da minha cela vejo a Igreja do Bonfim e as saudades aparecem ao recordar quando ali apanhava a estrada real que me levava a Vila Real.
Lembro-me bem das dificuldades da N15, principalmente a partir de Amarante. Mas nunca imaginei verdadeiramente como era o Marão visto de outros montes.
Fez questão o meu amigo Fernando de me levar até ao ponto mais alto da Serra. Antenas de Rádio, não sei se de TV, o Vértice Geodésico e Observatório Astronómico estão a 1416 m de altitude.
O Miradouro chama-se da Senhora da Serra e pertence ao Concelho de Santa Marta de Penaguião mas na divisória com o de Baião. Dizem que em dias claros, daqui até o Atlântico se avista.
As "ventoínhas" da energia eólica são um presença constante na serra e esta assiste à nossa partida. Portugal o ano passado, era o 10º. produtor Mundial.  Mesmo assim andamos a morrer aos poucos... E há quem diga que interferem com o voo das aves, a paisagem é poluída sonora e visualmente e muitas precauções devem ser tomadas. Para o caso presente isso não nos interessa, porque vamos passar aos finalmentes.

Os finalmentes, claro, são as comidas e os vinhos. Tudo simples, como a feijoada à transmontana, os enchidos/fumeiro, mas até umas lulas grelhadas estavam no ponto, servidas no Chaxoila em Vila Real debaixo de uma ramada onde o calor não penetrava. Uma surpresa para aperitivar, Tripas(sim, das nossas, tripeiros)recheadas com presunto.Uma receita do tempo da velha tasca que já vem desde 1947. É só espreitar em  http://chaxoila.com/
Para terminar a refeição, um doce/gelado onde os fios de ovos são reis. Não há etiquetas nem papariquices e o vinho é da região. Mas há muita simpatia.

A minha querida Amiga Alda Paulino, Gaúcha-Portuguesa de todos os costados, tal como Torga ao seu/nosso Douro, sublimou o nosso Vinho com este belo poema de alma.

PORTO E VINHO
Cidade – vinho – rio,
caudal de águas
revoltas ou silenciosas,
rio Douro amante,
reflexos do casario
na água errante.
Vêm de longe
ao serpentear serrano,
lágrimas e suores
de brava gente.
Descem sinuantes,
mesclando serranias.
Labor constante
ao sonhar das noites,
e realizar aos dias.
E a parra agreste,
donzela enamorada,
espera a boda ansiosa.
Ao revolver
adubos e gestos,
vai brotando
o cacho macho.
De amor constante,
vindima e suor
promissor de castas.
E brota o sangue parido
entre esperança e gemido:
néctar rubro reverberado ao sol.

E até Outubro se faz discreto
recluso em tonéis e sombras
até o mistério se fazer completo.
Então, irrompe ao mundo
em brinde e farra,
filho dileto do Douro e terra.
Espanto único de prazer secreto
que cada gota, uma a uma encerra.
E por ser o melhor entre uso e fim
diga comigo degustando a essência:

TIM! TIM!
Um último adeus ao Sol que aquece e também separa as
Terras Quentes e Frias de Trás-os-Montes e Alto Douro
Um mundo infelizmente muito esquecido

6 comentários:

  1. Mais uma vez:Excelente!Obrigado,Jorge.

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  2. .unicamente, trabalho excelente

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  3. Excelente trabalho, caro Jorge Portojo. Parabéns.

    Há cerca de 15 anos fui à aldeia do Barreiro (uma das aldeias indicadas na sinalização rústica fotografada acima) e, para surpresa minha, todas as casas tinham telhados de colmo, exceto a escola (que agora deve estar fechada) que estava coberta de telhas. Há cerca de 10 anos fui a Lamas de Olo e também encontrei várias casas cobertas de colmo. Desde então não voltei lá e, por isso, não sei se a cobertura de colmo continua a ser usada hoje. É de esperar que sim, pois o colmo torna as casas muito mais aconchegadas do que as telhas no inverno, que naquelas altitudes deve ser terrivelmente frio.

    Tenho ainda a lamentar o facto de que um amigo meu ficou sem uma perna num acidente de trabalho que lhe aconteceu nas minas da Campeã. Fiquei consternadíssimo quando soube.

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  4. Paisagens (e fotos) fantásticas. Uma viagem que adorava fazer.

    Nem de propósito, li ontem esta reportagem no site da visão: http://visao.sapo.pt/o-paraiso-esquecido-do-douro-e-as-historias-que-moram-la=f683417 e lembrei-me de si. :)

    Bom fim de semana
    Ana Rita

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  5. Obrigado, Ana Rita, por me dares a conhecer esta reportagem. O Douro sempre...

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