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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

60 - A Zona do Marquês

Por razões médicas, num dia escuro da semana passada tive de ir para os lados do Marquês. É um local de muitas saudades, pois a minha meninice e parte da juventude foi aqui passada. Durante quatro anos atravessei o seu jardim, quatro vezes ao dia, visto a minha escola primária ser nas Doze Casas. Quem não se lembra desta Rua estreitinha onde os futuros ases do volante faziam a instrução auto nos gloriosos carochas ? E ao fundo a fábrica do açúcar com o seu vapor constante e o cheirinho a doce... Mas o que interessa agora é Zona do Marquês, ou de toponímia, Praça Marquês de Pombal. Ora a Câmara Municipal do Porto em vez de nos contar a estória da Praça e Jardim, dá-nos uma pequena biografia do Marquês de Pombal. Tanto quanto descobri a Praça e Jardim já existiriam desde os princípios do séc. XIX. Chamava-se na altura Largo da Aguardente. Este coreto em ferro foi oferecido pela população das redondesas em 1898.
Ficava no limite norte da Cidade urbanizada e era uma espécie de alfândega onde existiam barreiras. As mercadorias que cá entravam pagavam aqui os seus impostos. À direita a Biblioteca que vi funcionar durante muitos anos.
Em meados do século XIX a Praça tinha já a configuração actual e possuía uma frondosa alameda. Foi ajardinada em 1898. A sua estória está ligada às Invasões Francesas e ao Cerco do Porto. Por aqui passavam as linhas de defesa do Exército Liberal, depois da tomada da Quinta do Covêlo, já em Paranhos, ali a dois passos.
A meio da Praça e para Poente, foi edificada a Igreja de Nossa Senhora da Conceição sendo a sua construção iniciada em 1939. Obra do Arquitecto Monge Beneditino Paul Bellot. Em 8 de Dezembro de 1947 a Igreja é dedicada à Padroeira de Portugal. As imagens da Fachada são de Mestre Henrique Moreira. E segundo o site da Paróquia, os frescos do interior são de Camarinha. Tema para futuros escritos.
À direita o Asilo Profissional do Terço que recolhi crianças órfãs ou desvalidas. Originalmente criado nas instalações da Ordem do Terço em 1891 para aqui passou não sei em que data, mas provàvelmente já no séc. XX. Quantos concertos ouvi da sua Banda de Música e os filmes que vi no seu cinema ao ar livre. Foi também escola púbica.
O Jardim tinha um passatempo importante para nós, garotos. Era aqui um dos poisos habituais dos vendedores da Banha da Cobra, com as suas giboias e outros bichos, que impressionavam a rapaziada. A distração era tal, que por vezes lá vinha a mãe à minha procura de chinelo na mão.
Derivado às obras do Metro, o jardim foi muito alterado. O grande lago desapareceu e em seu lugar, mais ou menos, colocaram o que estava na Praça D. João I, oferecido - para lá - pelo Antero da Confidente. Chamávamos-lhe A Fonte Luminosa.
Hoje já não se vêm canteiros com flores e para onde teriam ido os plátanos que lhe roubaram ? Ao fundo o edifício do ainda existente Café Pereira. E início, à esquerda, da Rua de Santa Catarina.
Edifícios com uma certa elegância e conservados (outros nem por isso) ainda se podem ver no que foi uma das mais belas Praças da Cidade.
O Marquês - será que algum portuense chama ou conhece esta Praça por outro nome? - visto de Sul para Norte.
A Norte parte uma das saídas da Cidade e a sua mais extensa Rua, a de Costa de Cabral. (Nome do revolucionário da extrema esquerda, ligado ao Exército Liberal, que se tornou direitista -terá sido ?- a história é muito confusa...). Chamou-se anteriormente Rua da Relação Velha e Estrada da Cruz das Regateiras. Conforme assinalava um marco no topo do Jardim. A Cruz ainda guarda o seu toponímico lá muito para a frente, na zona do Hospital do Conde Ferreira. Era uma das saídas para Famalicão e Braga. É quási uma recta e ao longo da sua abertura, em finais do séc. XIX, atravessou uma grande região agrícola e casas senhoriais. Tema para futuras deambulações. À entrada do lado direito haviam duas grandes tascas, o Neco e a Meia-Porta, com enormes pipas de vinho e petiscos sempre quentes. Ponto de encontro, ao domingo depois da Bola, do pessoal do Salgueiros e do Porto. Do Académico nem tanto, pois era gente mais pró chique. À esquerda, a elegante Confeitaria Estoril, que agora vi encerrada. Logo à frente, o Café Portugal, que "roubou" muita clientela ao Pereira, quando abriu em meados dos anos 50. Hoje é casa de hamburguers.
O antigo Retiro Desportivo, tasco também famoso, à esquina da Rua de Lindo Vale. Que foi uma das primitivas saídas para o Norte da Cidade. Lá nos anos 50 tinha na montra um camaleão, montado num galho de árvore, que era um dos passatempos da miudagem ao vê-lo comer moscas e a mudar de cor. Ao lado, um portal com a Tabacaria, que ainda lá está, e três ou quatro cadeiras de engraxadores que já não existem. Ao domingo fazia-se bicha para engraxar os sapatos e comprar o Jornal.
Já na Rua da Constituição, que agora é enorme, alguns edifícios bem conservados.
A Rua de Lindo Vale, mantendo a característica estreitinha de rua de arrabalde. À esquerda, o Tamariz, ainda em funcionamento, um dos mais antigos cabaretes da Cidade. Quantas vezes parei em frente da porta, que era meia, para ver as fotografias das Espanholas. Um dos chefes dos Balets que por aqui passaram, já nos anos 60 e muitos, o Manolo, fui encontrá-lo em Lisboa. Velhos Tempos, como diria o Fernando Farinha...
Logo a seguir e caminhando para poente, a minha Rua. Visconde de Setúbal. Já existia há séculos mas como um caminho estreito, conhecido por Viela da Espinheira. A actual toponímia coincidiu com as obras de alargamento da rua em 1833. Mas não há nada como estas recordações para ficar a saber quem era o Visconde. Súbdito alemão, de seu nome Johann Schwalbach, partiu para Inglaterra onde se juntou a Wellington e às tropas inglesas que posteriormente vieram ajudar a defender Portugal e Espanha das Invasões Francesas. Foi ferido nos Pirineus. Quando rebentou a revolta do Porto de apoio aos Liberais contra os Miguelistas, aliou-se aos revoltosos. Desembarcou no Mindelo juntamente com os "Bravos". Ocupou vários postos administrativos em regiões no Sul do País. Em 1845 é-lhe concedido o título de Visconde. Dele partiu o nome para o Grupo "Os Viscondes", composto por ex-moradores da Rua. Ao fundo da Rua, a Quinta do Covêlo, que por volta de 1720 se chamava de Lindo Vale ou Bela Vista, até ser adquirida por um negociante de nome Covêlo. Foi chamada também de Paranhos e dos Paranhos. Baluarte dos Miguelistas, assistiu a lutas ferozes até ter sido tomada pelos Liberais. Teve no seu interior o primeiro Campo de Futebol do Sport Comércio e Salgueiros. Foi bastante retalhada e hoje é um Parque Florestal e Jardim Infantil com actividades. Muito bom.
No meu tempo, na rua dava para fazer grandes jogos de futebol, circuitos de carrinhos com rolamentos, etc. Era habitada por gente humilde mas muito solidária. Conhecíamos toda a gente que nela habitava. Hoje é conhecida pela rua do Arquivo de Identificação.
No Gaveto com a Rua da Constituição, existia uma outra Quinta, à qual chamávamos das Freirinhas. As meninas-crianças da Rua passavam lá muitas tardes e sempre lhes era oferecido um lanche.
A Rua da Constituição chamava-se de 27 de Janeiro, memorando a data do reestabelecimento da Carta Constituicional por Costa Cabral em 1843. Após a Restauração da Constituição e Cabral para a rua, tomou o nome actual.
Demorou muito tempo a abrir esta rua, cujo primeiro troço ficava compreendido entre o Marquês e Antero de Quental (antiga Rua da Raínha até à implantação da República). Iniciou-se em 1840.
Hoje mantém pràticamente a largura inicial mas bastante mais extensa. É uma das grandes artérias da Cidade.
Paralela a Visconde de Setúbal, 100 metros para poente, a Rua de Faria de Guimarães. Homenageia um grande industrial, vice-presidente da Câmara e primeiro presidente da Associação Industrial Portuense. Uma das ruas que cortou a Quinta do Covêlo. Agora é uma das saídas da Cidade pelas grandes vias.
O Futebol Clube do Porto teve aqui o seu segundo campo de futebol, utilizado desde 1913 até à inauguração do Estádio das Antas em 1952. Substituiu o campo da Rua da Raínha, actual Antero de Quental. Hoje é um centro de preparação e escola de jovens. Num futuro breve deixarei as minhas memórias sobre este campo.
Do outro lado, encontramos a Rua de S. Brás. Hoje uma artéria importante da cidade, mas desconhecem-se-lhe as origens. Tomou o nome de um antigo forte que lá existia ocupado pelas tropas liberais aquando do Cerco do Porto pelos Miguelistas.
Um antigo Quartel que foi sede dos Telegrafistas - se a memória não me falta era assim que lhe chamávamos - ainda por aqui está. Foi também Casa de Reclusão Militar. Julgo que no seu parque acolhe viaturas aprendidas pela Polícia Judiciária.
Como se pode ler, é propriedade do Estado e como tal está em total degradação.
O Município anda há anos (desde o tempo de Fernando Gomes) a tentar negociar a aquisição deste imóvel com o Ministério da Defesa. Não há soluções à vista. Li que acolhe um importante espólio do que foi o Museu de Etnologia do Douro. Que saíu de um prédio degradado (O Palácio de S. João Novo) para cair noutro em iguais circunstâncias.
Já agora gostava de saber onde pára todo o valioso espólio desse museu e em que condições se encontra. Se alguém souber, agradeço a informação.
Um abraço a todos os Marqueses e Viscondes que ainda andam por cá.

17 comentários:

  1. Boas recordações Jorge...velhos tempos, velhos e belos dias...vim ca e dei de cara com este lindo post.
    Gostei de conhecer mais um pouco da historia da tua cidade e de seus recantos ,me deliciei com teus escritos,e a historia do lugar.
    Beijinhos !!!

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  2. Saúde e boa disposição. Vi, li e gostei. Bom trabalho.
    Abraço guerreiro
    Neto

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  3. Meu caro amigo Jorge,
    Obrigado pelo abraço ao visconde (como vês sou modesto). Não estou por aí, mas estou aqui, que dá no mesmo.
    Obrigado por estas preciosidades.
    Um dia, se visitar o Porto, sei quem procurarei para me mostrar a cidade, incluindo as tocas dos dragões (daqueles que não deitam lume pela boca e sem garras).
    Um abraço amigo,
    José Câmara

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  4. Obrigado Jorge.
    Abraço
    Durana Pinto

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  5. Boa Jorge. És o maior. Abraço.
    Vilaça

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  6. Amigo, vivi na Constituição 21 anos,a cem metros do velhinho campo do glorioso. Embora todas as semanas lá vá, estas recordações para sempre ficarão guardadas. O meu obrigado
    Um abraço
    JMesquitaAlves

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  7. Caros amigos e visitantes.
    Umas correcções tive de fazer a esta escrita, após ter recebido uma informação do meu amigo Manuel Flórido e que correspondiam ao nome e localização dos Tascos que haviam na zona. E também do Cabaret Tamariz, que, inexplicàvelmente confundi com a Candeia - a da Rua do Almada -.
    É bom que os amigos nos puxem as orelhas para termos mais cuidado com a escrita. Porque ela não vive só da ortografia.
    E quando são recordações, então devem ser lembradas.
    Um abraço para todos os amigos e visitantes

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  8. JORGE
    O meu abraço
    As tuas fotos, não sei porquê, trazem-me sempre à memória o nosso amigo Condeço (de quem ainda não consegui fazer o luto). E relembro sempre, mas sempre, uma frase que ele de quando em vez te repetia: "Continua que um dia vais conseguir" . Que Deus o tenha em Paz.
    As tuas fotos renovam-me sempre esta carga afectiva, tal era a nossa amizade.
    Obrigado. E... continua que estás a conseguir !!!!!!
    BNeves

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  9. Vai-me desculpar o amigo e camarada Portojo, não que seja para criticar,quem sou eu para criticar tão brilhante e conseguida reportagem a que já nos habituou, quer fotograficamente, quer pela escrita, (desde já os meus parabéns), mas para rectificar um "piqueno quiproquó", que suponho involuntariamente cometido e dizer que a Rua de Costa Cabral era a saída para Sto. Tirso (do nosso Quintas), Guimarães (do nosso Afonso, o 1º) e por aí adiante, EN105, saídas essas que fiz milhentas vezes, para lá e para cá, em direcção á minha parvónia que fica naquela direcção. A saída para Braga/Famalicão era ou ainda pode ser, pelo Amial em direcção á Maia, a EN14.
    Já agora uma pergunta simples: na Rua do Lindo Vale não era o Tamariz, é que a Candeia se não me engano era ou ainda é na Rua do Almada? É só uma perguntinha.

    Um abraço
    cumprim/jteix

    Ps este texto não respeita o acordo ortográfico porque o detesto, se calhar ainda sou do tempo...
    jt

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  10. O comentário anterior já estava escrito antes de ler as alterações sobre o Tamariz/Candeia.
    Estou esclarecido.
    jt

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  11. Meu Caro Jorge.
    Camarada.
    Muito obrigado por me teres levado de volta à infância.
    O Marquês também foi o meu jardim.
    Dos 4 aos 6 anos. morei em Santa Catarina, no 1307.
    O Marquês foi o meu jardim de infância e minha primeira escola.
    1949-1951.
    Quem sabe se por lá não nos cruzamos, então.
    Saí de Santarém, sozinho, entregue ao cobrador do comboio.
    7 longas horas de viagem com troca de máquina em Gaia.
    Ainda guardo a mala de cartão com que viajei.
    E essa mala levou para a Guiné os meus pertences mais importantes.
    E nela ainda guardo o que chamo de "meus tesouros".
    São tão perenes, foram tão importantes, tão marcantes, esses dois anos passados no Porto, que ainda hoje, seja quando e a que horas, sempre que aí volto, uma hora tem de ser reservada para passear em Santa Catarina e repousar um pouco no Marquês.
    E tenho saudades da Bé e do Senhor Gonçalves, amigos dos meus pais, que me viram nascer, que foram para o Porto, que me levaram para junto deles para poder apanhar sol e iodo no Castelo do Queijo, e que não conseguiram perdoar aos meus progenitores por me terem ido buscar para eu fazer a escola primária junto deles.
    Para ti, que gostas de fotos antigos, segue em anexo uma foto tirada na praia do Castelo do Queijo.
    Diz no verso que foi a 6 de Setembro de 1950.
    Nela está a Bè, eu e um meu irmão mais velho que também lá foi passar uns dias.
    Abraços
    armando pires

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  12. Só quero dizer que o Jardim (?!) do Marquês ficou horrivel após as obras do Metro. A bem do progresso (outro clube da cidade), não se podem fazer estes atentados ambientais!

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  13. Ao anónimo que morou na rua Sta Catarina no nº 1307,eu morei no 1051.

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    1. Não foi um anónimo, Armando, Mas sim outro Armando, que julgo não ter o prazer de conhecer pessoalmente.

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    2. E já agora, Armando Santos, espreita a postagem de Novembro2013, salvo erro, Santa Catarina. Pode ser que encontres a tua ex-moradia e ela tenha tido algo de importante a revelar. Um abraço

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    3. Azar Armando, roubaram-me as fotos. Lamento

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  14. Hoje faz 60 a tabacaria Brasília. Fundada em 1958 alguém arranja fotos de antigamente da mesma? Obrigado

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